sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Uma desculpa pra acabar o mundo

Pralguns o pseudo fim do mundo teve um ar de liberdade,
uma desculpa pra se dar o direito de mudar de vida.

O zé motorista de ônibus por exemplo não foi trabalhar, pois depois de ouvir "O dia em que a terra parou" de Raul Seixas, imaginou que ninguém iria trabalhar também e assim sendo pensou: -Pô se o mundo vai acabar eu quero pelo menos estar com minha família!

O Claudio que tinha por ofício lixeiro, simplesmente abandonou o caminhão na rua no meio do trabalho e foi pra casa da mãe lhe dizer o quanto a amava.

Até a Alice que trabalhava no Paraíso, mas num trabalho que não tinha nada de mundo das maravilhas, decidiu que não atenderia nenhum cliente, afinal não queria correr o risco de passar o fim do mundo com um velho imundo lhe babando inteira, ficou em casa e assistiu o filme que mais gostava, não procurou sua família, pois já não tinha mais ninguém...

O porteiro seu Augusto, chamou seu patrão o sindico do prédio até a portaria e lhe deu um soco no meio da cara e depois de lhe cuspir a face disse: -Fica com seu prédio de bosta seu escroto, eu vou ser feliz! E antes que eu me esqueça negrinho imprestável é o caralho seu filho da puta!

Genival contou pra família inteira no jantar que era Gay e saiu pra dançar...

Maria a beata, saiu pelada pela rua e tomou banho no chafariz da praça com mais meia dúzia de muleques de rua que também gostaram da idéia.

Pra essas pessoas de fato o mundo acabou, pois depois dali novas pessoas se tornaram e a realidade nunca mais foi a mesma.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

No giro da ciranda

Lá estava ela...
No meio da ciranda, girando
e na goma de sua saia o mundo inteiro girava
as histórias dos amores passados, os verões, os medos...
Lá estava ele, nela, dona bela das saias rodadas
Entre as canções e os contos de fadas
Lá estavam eles, e o mundo já podia girar!


domingo, 25 de novembro de 2012

Lavanderia

Lá, onde se estendia pra secar, as roupas do patrão e a vida de Maria... Lá Vander ria, na lavanderia, onde o que o varal não dava conta a secadora fazia. Era ali, para Vander, o melhor lugar da moradia.
Pois ali ele podia dizer o que sentia, desabafava como num divã sua agonia, mas ela, Maria, não tinha diploma de psicologia. Ainda assim tinha na ponta da língua os melhores conselhos pro dia-a-dia, de Vander é claro, pois sua vida era sempre a mesma sina, da pia pro fogão, do fogão pra lavanderia.
Apesar da Pouca receita, Maria praticava o que dizia. Sua receita de vida era mais eficiente que a de muito graduado em filosofia.
Trabalhava, cuidava da casa e da família. E ainda tinha tempo prum arroxa no samba da Cotia. Vander só ouvia, pensava em sua vida e sorria. Imaginava como seria se pudesse levar o patrão pra curtir essa alegria, mas sabia que sua condição não possibilitaria, tinha apenas de esperar o amante, que entre as pernas trazia, sua carta de alforria.
Pensava, até quando agüentaria essa relação vazia? Vander tinha de tudo, mas não podia andar de mãos dadas com o homem que queria.
Vivia como Rapunzel à espera do príncipe, mas o mesmo não a salvaria. Só subia a torre pra tomar-lhe as carnes e depois descia.
Um amor em segredo, um romance que inexistia. Maria sentia pena e sempre lhe dizia:

-Dá um basta nessa história, lava a roupa suja minha fia!
Acaba de uma vez com o que te angustia...

Decreto

É obrigação da juventude romper padrões,
é obrigação da juventude ofertar flores aos canhões.

É obrigação dessa mesma juventude ser melhor que seus antepassados,
superar seus erros refazer o traçado.

É também obrigação desta juventude, ser rude com as leis
reinventar a liberdade!

E ainda mais, é obrigação de todo jovem rejeitar a verdade.
É obrigação da juventude amar e ser descrente, odiar e ter esperança.

Mas à cima de todos os decretos, a maior obrigação da juventude
é negar todas as obrigações, carregar vinganças e contradições...

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A vanguarda do futuro

"A mim não cabe ser padrão de nada,
prefiro a escapada pro além normal..."
(Nonoh e Caroço)



Outro dia vi num cartaz de um peça de teatro o seguinte subtítulo "Isto não é um espetáculo". Engraçado né, quiseram brincar com a aparente contradição existente na idéia de ser um espetáculo teatral, que não se enquadrava na idéia de espetáculo do Guy Debord. Tipo um não-espetáculo.
Ultimamente tenho percebido muito esse fenômeno, espetáculos que se dizem não espetaculares, empresas que se dizem anticapitalistas, produtos artísticos que se colocam à margem das mercadorias, coletivos de um único indivíduo e coletivos com várias pessoas corporíficadas em um único representante, também chamado de porta-voz.
Me parece que são características de uma parcela da militância dessa época, que vive em cima da "especulação do não-espetáculo". Que ao meu ver pode ser ainda pior que a lógica da arte alienante, historicamente atrelada a construção e disseminação do imaginário burguês nos últimos séculos.
Essa especulação da arte não espetacular é na maior parte das vezes uma máscara que esconde o intuito verdadeiro que move essa produção artística, e também serve de rótulo para embalar a obra e direciona-la a um público específico que se sente favorecido ao corroborar com tal ideário vanguardista de arte.
Essa arte que não se diz mercadoria é vendida por preços de mercado aos maiores financiadores de arte e cultura no país, SESCs, Centros Culturais de Bancos, ONGs e etc. Fora é claro o investimento público que recebem por seus projetos revolucionários nas periferias da cidade. Leis de fomento e outros pequenos editais que somados rendem recursos que rodam na casa dos milhões na mão de um único grupo.
Por que digo que essa lógica é pior que a dita arte alienante. Simplesmente por que maquiada pela pompa militante essa produção circula livremente pelos salões nobres e pelas quebradas disseminando seu discurso panfletário e atraindo seguidores/adoradores. Que, por muitas vezes, são gente já sem repertório para ver o óbvio e nesses casos ainda tem de tentar se esquivar do que vem embalado de benfeitoria.
Torna-se cruel pois se vale do discurso da identidade periférica quando é conveniente e da braçadas largas no mar das elites burocratas para fazer girar seu business. É especulação justamente por isso, pois não só não vive a realidade que pretende representar, como também se vale dela para lucrar.
O mais ridículo é que o próprio Debord já atentava a isso:
"Não se pode contrapor abstratamente o espetáculo a atividade social efetiva; este desdobramento esta ele próprio desdobrado. O espetáculo que inverte o real é produzido de forma de que a realidade vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, refazendo em si mesma a ordem espetacular pela adesão positiva" (pra quem acha que eu inventei a frase pode olhar o link: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/socespetaculo.pdf. Tá na página 16).
Sábio o rapaz imaginava que muito lobo ia se travestir de cordeiro pra papar algumas cabeças.
E é por isso que são perigosos, pois não nos permitem de cara descobrir seus propósitos e são eficientes nisso, são técnicos, são profissionais, e não que isso seja ruim, mas só os são às custas do recurso ganho em cima do imaginário criado, ou seja, da especulação do não espetáculo, que os enaltece e restringe o recurso à grupos "menos experientes" que os mesmos. Logo, suas obras são polidas, são bem acabadas, como tudo que se pretende vender com boa penetração no mercado. Porém sua produção continua tão alienante como qualquer outra novela, pois só inverte o jogo. Assim deixamos de ser alienados de direita pra sermos alienados de esquerda. O mais engraçado é que para os produtores dessa arte todos podem ser alienados, menos eles mesmos.
Por exemplo, se são classe média/alta a situação é a seguinte: Eles podem não trabalhar para não contribuir com a lógica perversa do patronato, mas seus pais puderam para dar-lhes educação e comida no prato.
Se são de classe baixa, podem dar-se o direito de desviar uma graninha de seu edital público, pois afinal estão roubando o estado que sempre os roubou (a população que paga impostos com o próprio sangue fica aonde mesmo?). O inverso desse discurso também acontece.
O povão de verdade, se pá nem sabe o que é um edital, e segue pegando ônibus lotado diariamente e batendo seu cartão religiosamente, porém com uma dignidade que esses "trabalhadores da cultura" não conhecem.
Os trabalhadores, que como eu, dividem a realidade crua, sabem que o patrão os explora, mas também sabem que se não estiverem lá trabalhando os seus filhos não terão o que comer, e as contas não se pagarão sozinhas. Talvez não tenham dimensão do tamanho do monstro que é a máquina do estado, mas também não colaboram com pilantragens menos aparentes se valendo do mito de Robin Hood.
Internamente esses "coletivos" normalmente não são nada coletivos, exercem suas hierarquias e suas vaidades à revelia. Por vezes são tiranos com seus próprios companheiros de trabalho, isso quando não os expulsão por não se adequarem a lógica prescrita, mas enfim... os meios justificam os fins, tudo em nome da arte, não?
Não! Eu com meu trabalho tenho muitos desejos, e poucas pretensões, não sou melhor nem pior que ninguém, mas prezo alguns valores irredutíveis que não se desmancham frente ao capital. Queria que minha arte fosse reconhecida em sua riqueza e sua precariedade, e que eu pudesse obter dela o suficiente para ter uma vida decente com minha família, mas sei bem que o difícil é ser ético nesse mundo, ter muita grana em cima de palavrório e pactos obscuros é fácil demais, e aprendi cedo a duvidar de tudo que chega muito fácil.
Finalizo lembrando que muitos bons artistas e militantes do passado hoje são parte de uma cúpula de ladrões que além de seus cachês milionários advindos da indústria cultural, recebem rios de dinheiro anualmente dos mesmos balcões públicos de negócio, ops, dos mesmos editais.
Parafraseando meu pai, penso que a mim não vale ser padrão de nada, vale mais seguir além, na batalha dura e sincera dos normais, errando e acertando junto dos meus iguais. Estes que desarmados não representam vanguarda nenhuma, nem pretendem se-la no futuro.
Tenho certeza que viver é fazer arte sem ARTEfícios, arte in natura, não ARTEficial. E mesmo que eu não obtenha notoriedade nem ganhe dinheiro com meu trabalho artístico, sei que não perdi nada de valor para validar meu sonho.
E não hei de me sentir deprimido por não ter feito a arte mais revolucionária do mundo, pois transformar a sociedade depende de movimentar forças muito maiores que as da arte!









sábado, 17 de novembro de 2012

Ilha deserta

Não foi exatamente perdidos que nos deparamos ali, é certo que foi por meio de um processo bastante complicado, mas não necessariamente perdidos, apesar de sermos só nós dois naquele lugar inóspito.
O fato é que vínhamos de uma viagem relativamente longa, cheia de altos e baixos, e povoada por momentos de intensa calmaria e extrema turbulência. E foi depois de uma dessas turbulências que fomos parar ali.
Cada qual com seus machucados, uns mais graves, outros mais leves, porém ambos feridos.
Não sabíamos, mas éramos ainda estranhos um ao outro, porém é nos momentos difíceis que surge a solidariedade, a cumplicidade. Ajudei-a à tratar de seus ferimentos, e ela também curou os meus, e na condição que nos encontrávamos nenhuma chaga era apenas física. Logo a cicatrização dependia sempre de muita paciência e um profundo cuidado.
Nos primeiros meses tudo ocorreu bem, tínhamos o básico para sobreviver e gozávamos de uma tranqüilidade que não era rotineira em nossas vidas, pois estar ali nos fazia abrir mão de uma série de fatores que até então nos pareciam essenciais, como os amigos, a família, as refeições requintadas, nem TV possuíamos...
Foi então que o com o passar do tempo fomos tratando de construir o que não tínhamos, à nosso modo é claro, já que a vida no limite não parecia nos dar outra escolha, e como ali o tempo passava devagar, acabamos por nos ocupar em criar uma vida razóavel pra gente. Nem tudo deu pra resolver, mas passamos a comer melhor e a convivência nos deu além de uma amizade, um amor. Ainda tímido, mas evidente, também parecia óbvio que mais dia menos dia isso iria acontecer, já que éramos só nós e nossos espíritos ali, se defrontando, se refletindo, assim sendo, ou nos mataríamos ou acabaríamos apaixonados, e nesse caso ainda bem que conseguimos fazer brotar o amor.
E foi desse amor que vieram os filhos, e foram os filhos que foram nos ensinando a fortalecer o amor e a reparar como o tempo passava rápido.
Eu, percebendo que já estava ali há muito tempo, decidi que tentaria sair, precisava respirar outros ares, precisava reencontrar vida para além daquele lugar, mas ela achava que mesmo com as dificuldades tudo estava estável e não queria mais correr riscos. Já eu tinha cada vez mais certeza que não podia me conformar em passar o resto dos meus dias ali, só ali. Tentei então propor à ela um pacto, firmando que mesmo saindo sempre voltaríamos, entendendo aquele lugar como sagrado e parte da nossa história. Ela não quis, porém a cada dia pareciam mais evidentes as dificuldades, a escassez de recursos, a insalubridade do espaço para as crianças, nossas constantes brigas...
Foi assim que num dia de sol sequei as lágrimas, juntei as forças, o resto do que tinha e saí, me recordo bem, tinha nome de ilha nosso prédio. Edifício Cabo Verde.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sobre ícones e heróis

Certo dia em uma conversa na mesa de um bar com um amigo cheguei a uma conclusão bastante profícua sobre a diferença entre os heróis e os ícones.
Assim de cara parecem bem semelhantes os termos e até sinônimos e/ou complementares, mas realizando uma análise mais aprofundada fiz uma distinção bastante sensata.
Para mim os ícones são como o próprio nome pressupõe, um ponto de referência, ou seja, uma marcação, um símbolo, porém, um símbolo esvaziado.
Os ícones por tais características são obrigatoriamente vassilantes, pois são mera representação do real, um ponto superficial, quase sempre atrelado ao marketing que a imagem carrega. Os ícones apesar de óbvios são incoerentes, e mesmo dentro de sua incoerência permanecem óbvios. Os ícones são, assim como os ícones/links de internet um ponto de convergência, onde os diversos mouses (maus Zés), se direcionam para a busca do porto seguro, um destino, quando na verdade estão apenas tocando iconografias, que são por natureza ilusórias, não são fins em si, mas caminho para verdades muito mais complexas, são como hiperlinks, o texto está para além da referência.
Já os heróis são viscerais, podem até ser barbaramente cruéis e cegos pelo tanto que acreditam em seus ideais, porém tornam-se símbolos pela honradez, pelo desprendimento, pela gana, pela força, pela inteligência e por uma incomum humanidade sobrehumana.
Os heróis quase sempre erram, mas ousam serem expostos até as viceras, não são apenas projeção de uma imagem, carregam suas contradições e suas vontades como bandeiras, assim como os vilões. São verdadeiros dentro de sua existência abstrata, são coerentes mesmo quando incoerentes. São desconhecedores de limites! Não morrem na praia das ostentações, nem são facilmente comprados como os ícones.
Ambos são utéis, mas pra se ter uma idéia, poderia exemplifica-los usando referências como Jimy Hendrix e Claudia leite.
São diferenças gritantes não é? Mas não entenda apenas com os olhos do preconceito musical, não são referências tão distintas apenas por que são de estilos diferentes, mas sim pelas trajetórias de vida, outro exemplo bom e menos aparente seria comparar Luiza Mahin à Negra Li, uma é símbolo de resistência, lutou contra as amarras físicas e simbólicas do preconceito racial em tempos de exclusão muito mais duros que os de hoje, a outro por sua vez, ao conseguir projeção faz uma plástica no nariz por não gostar da própria imagem na TV (ooh Antônias brilha?).
Enfim, fiz todo esse prólogo para chegar a uma questão que há muito me inquieta, a precariedade das nossas referências na atualidade, sei que sou um tanto saudosista, mas creio que não é sem razão. O que mais que pega é a análise dos contextos históricos, pois hoje temos bases muito mais sólidas para efetivar mudanças profundamente mais poderosas e nos valemos de nossa força para criar uma resistência medíocre às injustiças sociais e amarguras pessoais.
Creio que o ser humano sempre precisou de heróis, mas de ícones não. Pois os heróis são produto da intensa necessidade humana de transfomar a realidade e de faze-la cuidando dos que estão a sua volta, já os ícones querem poder, pois não possuem poderes naturais, querem glórias individuais por conquistas coletivas. Querem ser referência meramente pela visibilidade que isso dá, fama!
Quando se fala da questão dos heróis por ai, sempre tem um vomitador de frases feitas que fala aquela velha frase de Bertold Bretch "Miserável país aquele que precisa de heróis". O engraçado é que o Zé mané que fala essa frase nem sabe de onde ela foi tirada, pois não sabe que ela um pouco mais completa diz assim "Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis".
Pois é mais ou menos assim que penso, um país que não é capaz de criar heróis é uma falácia, pois torna-se dependente de um ou outro dito "herói".
A grande sabedoria que tiro do arquétipo dos heróis, esses mitológicos e vicerais, é a sua capacidade de ser um herói, pois é exatamente no sentimento de também poder ser um herói que me movo, contrário dos ícones que são geradores de imobilidade, já que tornam-se pontos de transferência de responsabilidade, pois trazem consigo a idéia de que representam o todo, logo não precisamos nos preocupar, pois os mesmos estão à olhar por nós.
BALELA!!!! Só nossos próprios olhos podem olhar por nós, ninguém mais!
Os verdadeiros heróis normalmente só são reconhecidos quando morrem, por que durante a vida estão tão misturados ao coletivo que torna-se praticamente impossível identifica-los.
Vivemos atualmente uma extrema carência de pessoas assim, por isso vira e mexe caímos na ilusão da mídia que cria mitos instantâneos para o rápido consumo massivo, porém basta que olhemos mais atentamente para ver a artificialidade dos mesmos, ora travestidos pelo bom samaritanismo dos que não destroem a natureza e nem o capitalismo e nem nada, ora na caricatura do rebelde sem causa que destroe tudo sem nenhum por que. O pior é que esses modelos se reproduzem em todos lugares e a todo momento, como um vírus, nas periferias e nos bairros nobres, qualquer pateta torna-se uma celebridade por ter feito qualquer ação que simplesmente deveria ser entendida como operação padrão, ou faz uma bizarrice qualquer e ganha milhões de acessos no youtube e pronto, é o predestinado.
Aos que não querem ser heróis cabe a dificil missão de se-los diariamente. Nas beiradas do estrelato, seguir fazendo mudanças coletivas e impulsionando novos heróis a existirem sem medo, pois afinal ser herói é ser movido por amor, mesmo que não correspondido!

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Os degredados filhos de Omolú

Desculpem senhores, mas à nós foi dado a pele, sim a pele...
Essa carenagem de guerra protetora e pesada, a pele!

Aos embriagados da Sé, aos vendedores de bala de Santo Amaro,
aos meninos encarcerados da Vila Guilherme,
acredite,
resta como herança a epiderme!

Não peço que compreendam,
mas sou parte dessa corja que sente, ressente, que seca ao sol.

Sou destes tatuados pela vida, destes que carregam orgulhosos as chagas sofridas,
sou destes que assistem mudos atrás de seus escudos o massacre na avenida

Enquanto nos mini, ministérios, os nano micro homens sérios
erigem seus impérios sobre os escombros de nossa ignorância,
sou destes que bradam as desimportâncias...
Destes que falam de amor sem culpa,

Aliás, a culpa é da pele, essa casca dura que nunca cansa de apanhar.
Esse fator essencialmente maldito
que nos obriga a sentir demasiadamente, dramaticamente, poeticamente...

Peço que nos perdoem, mas esses como eu são um tanto quanto irracionais,
pois o sentir demais não nos permite aceitar as coisas logicamente.

Os homens das canetas que decidam nosso destino, à nós resta a sina, o desatino. Topamos esse sacrifício, pois pra nós basta sentir. Já vocês tem a necessidade ininteligível de dominar!

Pendenga!

O proto-preto protelou o pleito
pra tentar passar em preto nesse país de pseudo-pálidos.

Pobre proletário!

Apodreceu preso por posar seu patuá polido.
Pagou pela hipocrisia dos poderosos,
permitiu-se praguejar os patifes e foi parado,

pois era perigoso exemplo pro povo.
Um problema para os pela-sacos!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Sobre asas e correntes

Se corrente teórica fosse coisa boa de se seguir,
não se chamaria corrente e sim asas de pensar.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Oriundos

No banco de uma praça no Jardim Ângela, dois amigos discutem sobre a questão da periferia de uma forma bem incomum.

-Mano você já viajou na idéia de periferia?
-Acho que não entendi bem, discorra melhor sobre a questão?
-Pô caráio, tipo, sobre como o baguio tá sendo falado por aí hoje em dia?
-Sim, creio que esse fato se dê por conta da exploração do tema pela mídia.
-É, se pá é mesmo, é engraçado né? No jornal eles chamam a quebrada de comunidade... rsrsr... Mó brisa, nínguém aqui na vila fala comunidade!
-É, mas o Waltinho coordenador da associação de moradores também usa essa nomenclatura para se dirigir ao bairro para os estrangeiros e estudantes que aparecem por aqui vez ou outra, não é mesmo?
-Sim, mas pode se ligá que ele fala assim só pros gringos e pra esses muleque de faculdade mesmo, pros mano aqui da área ele num fala assim não. Nem mesmo pra outros mano de outros bairro. Ele sempre fala "quebrada".
-É isso me parece um dilema de linguagem. Pelo que pude compreender você se refere ao bairro, quando fala com os moradores do mesmo ou entre outros moradores de bairros desfavorecidos quanto este, como "quebrada". Porém se você for falar com alguma pessoa oriunda de um bairro abastado, um estrangeiro ou um repórter você utilizaria o termo "comunidade", isso procede?
-Sumêmo!
-Mas onde se utiliza o termo periferia?
-Em situação mais de reflexão tá ligado?
-Hum, interessante, isso nos leva a conclusão de que a utilização do termo "periferia" tem uma adequação mais coerente em contextos políticos. Me responda uma coisa, você vale-se dessa terminologia também em situações de auto afirmação?
-Orras, sempre que o fato de ser de quebrada me abre portas eu já logo sito "aqui é periferia porra!"
-Então também tem ligação com um conceito de identidade. Muito profunda essa reflexão hein?
-Vai se lascar! kkkk... acabou a brincadeira agora é minha vez de ser o intelectual.
-Uhahauha, pô mais foi boa a interpretação, falei até oriundos...kkkk, demais, vale oscar uma dessas hein?
-Pode crê, qual o tema da vez? Um mais difícil que periferia vai...
-Agente tá ficando bom nessas de domínio de linguagem hein?
-Profissionais! Com uma retórica dessas ninguém segura a gente!

terça-feira, 17 de julho de 2012

Nunca... Sempre!

A frase mais covarde que já ouvi na vida é "nunca diga nunca!".
Que merda de frase é essa?
E vocês já repararam que quem a diz sempre diz com um ar profético sugerindo que você se arrependerá do que disse?
Covardes! assim chamo os que temem o nunca, pois esses vivem da dúvida e nunca poderão experiênciar a força de uma certeza, ainda que essa certeza seja provisória, como são a maior parte das certezas.
O nunca sempre nos leva além, já que a recusa te impulsiona a traçar caminhos improváveis. E o caminho do nunca é o caminho da coragem, do enfrentamento do erro, da resistência, da autenticidade, da antineutralidade!
O medo de quem nega o nunca é a possibilidade de ter de se deparar com a dissolução da certeza no povir, o que só me faz pensar que esses que nunca dizem nunca, acham que a vida é imutável e que as posições assumidas são perpétuas. Como se o fato de dizer nunca te prendesse a eterna sustentação de um veredicto.
Porém, ao contrário do que pensam os covardes, o nunca é o pai do caos, e é nele que encontramos a possibilidade de bailar com as contradições da vida, sem que o sempre da dúvida te amarre as tortuosas estradas do equívoco e da incerteza.
Por isso eu sempre digo nunca, para que nunca me privem o direito a contradição!
E é bom lembrar que quem diz "nunca diga nunca", já está evocando duas vezes o bendito nunca!

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Pico

Drogar-se é se desprazerar-se com prazer!

terça-feira, 26 de junho de 2012

Não sei pr'onde eu tô indo, mas sei que tô no meu caminho...

"VOCÊ É AQUILO QUE FAZ, QUANDO NINGUÉM ESTÁ VENDO."

Li essa frase do Sérgio Vaz no seu livro "literatura, pão e poesia" e me questionei mais uma vez sobre a velha questão da identidade. Estava no ônibus, MP4 no ouvido tocando capitulo 4, versículo 3 do Racionais, saquei o livro e abri em qualquer página. Bati o olho na frase e me voltei para fora do ônibus, um puta trânsito na descida da Rebouças. Me veio quase que instintivamente a reflexão já empoeirada: -Afinal, quem sou eu?
De bate-pronto Mano Brown respondeu:

"Playboy forgado de brinco: um trouxa,
Roubado dentro do carro na avenida Rebouças
Correntinha das moça
As madame de bolsa
Dinheiro: não tive pai não sou herdeiro
Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal
Por menos de um real
Minha chance era pouca
Mas se eu fosse aquele moleque de tôca
Que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca..."

Essas coincidências vivem acontecendo comigo, não por acaso, é claro! É que talvez eu tenha o poder involuntário de coincidir a realidade com as músicas que ouso e com as literaturas que leio, ou pode ser também que isso tudo seja apenas um fator explicito de que minha cabeça não descansa nunca... Mas o fato é que lá estava eu, na Rebouças, essa mesma avenida citada pelo Brown, reparando exatamente o contraste entre a mercedes lotada que me levava e as várias mercedes vazias e insulfilmadas que planavam à dois quilômetros por hora na faixa ao lado do corredor. A perguntava navegava na consciência: -Quem sou eu?
Nesse contexto, várias respostas vinham a mente, ainda mais quando se está voltando do trampo... Mas decidi fugir do óbvio, e busquei comparar quem eu era há 10 anos atrás e quem estava sendo no atual momento. A primeira constatação veio com a música. Lembrei que no auge dos meus 15 anos eu só ouvia Racionais involuntariamente (nesse instante lembrei de uma outra música "Quantas canções que você não cantava, hoje assovia pra sobreviver"), afinal era uma fase em que eu me encontrava tomado pelo universo punk, descobrindo, minha maneira de atuar politicamente no mundo, encontrando uma maneira de me situar na realidade em que eu vivia, e com as expectativas que eu tinha de transformação. Fui tão longe que me veio a boca o sabor do vinho "cantina da serra" que me acompanhava nas noitadas de rebeldia (lembrei daquela do inocentes "de noite quando a cidade dorme, anjos negros de asas sujas escuras saem de suas tocas e tomam conta das ruas. São os reis da diversão, do ódio e da solidão...").
Sabe que na minha época de adolescência era quase que obrigatório curtir Racionais, talvez por isso mesmo eu tenha ido curtir um Rock'n Roll, só para ser do contra. Me lembro como se fosse hoje as tretas com um camarada na escola que falava que eu curtia música de bicha por que gostava de Legião Urbana. Doidera né, eu defendia o Renato Russo e toda a rapa do rock nacional, fazia parte de um seleto grupo que curtia o som brasileiro, e por conta disso mesmo acabei retornando ao Racionais, anos depois, sem pressão de ninguém. Sei lá, bateu uma saudade das músicas que eu sabia de cór só ouvindo de tabela.
Acabei percebendo naquele ônibus o quanto a música fazia parte da minha vida e como foi dela que bebi as maiores filosofias que compõe minha caminhada nesse mundo. A sensibilidade que a música caipira dos meus pais me proporcionaram, o senso político do punk, a identidade do rap, o gingado do samba... Pois é, nenhuma leitura me deu isso, apesar do gosto que eu fui adquirindo pela linguagem. Assim sendo, pedi licença a Sérgio Vaz e guardei de volta o livro na mochila e me concentrei com mais afinco na música que tocava, e não a toa era um Raulzito "não sei pronde eu tô indo, mas sei que to no meu caminho..." Um leve riso me estampou a face e a resposta para a pergunta inicial me veio a mente: -Porra eu sou tudo aquilo que eu me permiti ser! Ou seja, eu sou movimento, assim como as canções...
Não Haveria lição maior para se receber da música se não essa constatação. Me parece óbvio, não somos o que fazemos para ser sinceros com as nossas convicções, mas sim o que fazemos para ir além daquilo que nos parece essencial. Isso é ser humano, ir além sempre! Ora, se eu não tivesse me permitido ouvir Racionais só por que o rock e a MPB sempre me foram mais viaveis eu com certeza não seria quem sou e não teria a visão de mundo que tenho hoje.
Engraçado é perceber que muitas pessoas se matam ou matam as outras por uma certa fidelidade ao gênero musical. Alguns rockeiros seguem a odiar os pagodeiros, alguns Punks seguem a odiar os Emos, muitos Rappers seguem a odiar os "playboys" da MPB, e todos seguem no mesmo ônibus, e o sistema segue a adorar pobre contra pobre, por uma mera questão de estilo.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Artismo

Todo artista é um abismo ao avesso,
mergulhado para dentro de si e para fora dos outros...

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Corte seco

Ele observava os pingos da chuva escorrendo na janela do ônibus. Ouvia Elomar no meio do caos urbano, parecia cena de filme: "Joana, vem ver, os sapinhos tão cantando tiranas de bem querer". Por um instante transportou a chuva cinza do trânsito de São Paulo para o terreno seco do solo nordestino. A poeira subindo, a lama empoçando, o verde apontando no horizonte.
Corte seco. Freada brusca põe o cidadão de volta no seu lugar, pensa no atraso, na impotência de seus próprios passos naquela situação. Olha novamente para os pingos da chuva escorrendo no vidro e reflete se não é sua própria vida que se esvai lentamente, dia-a-dia no fluxo da rotina.
É tomado então por um fúria libertina, dá sinal e sai empurrando todo mundo até sair do ônibus lotado. Começa então a despir-se do uniforme da empresa, joga a mochila fora e deita-se no canteiro central da Avenida paulista. Olha para o céu e percebe quase em câmera lenta os pingos da chuva banhando sua face. Sente uma sensação de quase morte, mas ao mesmo tempo uma enorme redenção.
Corte seco novamente. Uma senhora da-lhe um forte empurrão: -Oh rapaz, num tá me ouvindo?! Fecha esse vidro direito!!! Ta respingando em mim! Tira os fones de ouvido, fecha a janela e seca o rosto com a manga da blusa, pensa alto: -Que belo sonho!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Convite para um assasinato:

-E aí, vamos matar a saudade?

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Deus só pode ser brasileiro...

O brasileiro veio antes do Brasil,
pois antes do endereço já existia a maneira de ser.

Onde havia mistura,
sempre houve um brasileiro em qualquer lugar do mundo
pra mostrar que dar as mãos nos faz iguais,
nos faz além desse abismo profundo

O brasileiro sempre habitou o espirito
dos que dançavam e cantavam em qualquer lugar do globo
nas batucadas, nas missas, nas profanidades do povo
Nasceu em todo canto, uma galinha que surgiu antes do ovo

Onde existisse gente comendo junto, se abraçando, bebendo e falando alto...
tava lá um brasileiro
Sorrindo e chorando, errando e acertando, matando e morrendo.

O Brasil foi apenas conseqüência dessa gente mestiçada
foi apenas uma dádiva sagrada
pra abençoar a vida da civilização universal

Deus só pode ser brasileiro, do contrário teria feito todo mundo igual!

sábado, 14 de abril de 2012

Todos Perdidos

Mentira daqui, mentira de lá
Me tira daqui é o que penso em gritar!
Os do sul expressão sua agonia no vanerão
Os do nordeste no Baião,
E eu no meio sou atravessado por tudo
e nem por isso sei qual a melhor canção
Alguns interpretam sua dor na agonia do teatro
e em cena fingem ser o que são
Outros se acostumam com a vida
e abraçam a falsa iluminação
Uns no crime, outros na lei,
uns na pedra, outros no pó,
uns entre tantos, um outro tão só
Enfim todos perdidos, os dos idos de 66
e os da moda em 2006
os outros e vocês tão diferentemente iguais
são apenas do mesmo um pouco mais!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Cruz Credo

Carregar cruz?
Cruzes!!!

sexta-feira, 16 de março de 2012

Canção

Seria a vida uma canção?
dessas de lamento, que quando cantadas emocionam?
Ou desses Rocks libertários, tocados em 3 notas?
Ou ainda essas satíricas, que deixam nossos olhos sorrindo?

Acho que se a vida não for uma canção deveria,
deveria ter refrão, estribilho, introdução, começo meio e fim.
E digo mais, deveria ser executada com muita responsabilidade!
Como se cada apresentação fosse a última de nossa carreira.
Só assim entenderíamos o quanto ela é importante.

Deixemos os poetas suicidas no passado,
nosso desafio agora é fazer de nossas vidas
aquilo que eles cantaram...

Pois pode até ser que realmente não tenhamos nada mais a dizer,
mas de fato temos muito, muito mesmo à fazer...

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Depois de mim

Eu permiti que passasse
e me arrependo ainda hoje por não ter pendido pro seu lado
O passado que carregas se contrai no fim
e eu fico a refletir se de fato passastes
Mas se foi, que seja depois de mim

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Dignidade

Distante, sim... foi desta maneira que agora o poeta se prostrou, se é que podemos chama-lo de poeta, se é que podemos chama-lo, ele agora está tão longe... Mesmo quando perto parece que não chega. Tem andado com o pensamento longe e com a realidade encarnada. Percebeu tarde o findar do conto de fadas, ontem era criança e hoje é só um nada, tentando ser pai, tentando ser homem, tentando ser humano, poeta... enfim, buscando dignidade! Aliás a estória começa aqui e gira em torno desta maldita palavra "DIGNIDADE".
Foi esse ensinamento birrento de berço que me deixou assim no atual momento, sem presente, vivendo de outrora, sim, foi essa coisa sem sentido que minha mãe praguejou pra minha vida que me faz ser essa alma teimosa que persiste na lida, na esperança...
Todo dia olho pra rua e vejo que é possível ser melhor, que é possível mudar, mas parece que exatamente por ser tão fácil ninguém faz o que é necessário, por muitas vezes nem eu. Sei lá, dolado de cá, do meu ponto de vista, tento ser honesto, ser justo, pedir desculpa, pedir licença, tomar a benção, mas isso tudo só me põe mais distante, mais a margem de tudo que é venerável nesta sociedade.
Sabe, queria ser poeta, ser músico, fazer bons filmes, mas pra mim só querer nunca foi possível, a marreta sempre foi mais próxima de mim que a caneta. Hoje penso "quantas coisas quis mudar" a política, as relações humanas, quis mudar a mim mesmo, porém as mudanças sempre foram mais caras pra quem nasceu onde nasci, lá a ordem do dia sempre foi ter dignidade, mesmo na merda. Assim sendo, o trabalho, alienado ou não, bom ou ruim, sempre esteve no caminho dos sonhos. É certo que algumas exceções chutavam a pedra do caminho e punham o cano na sinta, caiam no mundão tentando ser melhores que seus pais, tendo tudo aquilo que eles trabalhando nunca puderam ter, muito menos legar aos filhos.
Mas poucos sobreviveram pra contar história e dentro de seus 5 anos de glória, não conseguiram superar os pais em um quesito fundamental, a danada da dignidade. O que que me fez ter certeza de que ser rico é muito fácil, agora ser digno é uma missão.
E só quem sabe disso são as solas dos sapatos furados cansados de andar no asfalto dos caminhos cruéis da exploração, só quem sabe disso são as gargantas calejadas engolidoras de sapos e espadas, só quem sabe disso são as cabeças inchadas que morgam na frente das Tvs pra aliviar a culpa e pra distrair o desejo latente da poesia, esse vicio que torna noss'alma vadia, sabe como é...
Mas enfim, fui posto nesse caminho e fiz minhas escolhas, quis amar, quis errar, quis ser o que sou e não posso me arrepender.
E é por isso que odeio a dignidade. Pois é a odeio, mas odeio ainda mais o olhar dos meus filhos quando faço algo indigno.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

abraço

‎"Abraçar o mundo é uma missão que por definição
só nos leva ao extremo cansaço, pois nos compele a perceber
que apenas um único ser pode fazer morada em nosso abraço"

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Retalhos

Algumas crianças não fazem idéia de quem é mickey mouse,
mas já brincaram com ratos à beira do córrego no fundo do seu quarto
Algumas mulheres nunca tiveram uma barbie,
pois aos 13 anos já estavam muito ocupadas vivendo a personagem
para senhores 40 anos mais velhos que elas.
Alguns senhores nunca tiveram um natal em família,
pois depois dos 50 anos, doentes de tanto trabalhar
só a cachaça ofereceu companhia e só a sarjeta serviu de abrigo
Alguns meninos já tinham sua opção sexual resolvida aos 10 anos de idade
não por vontade, mas por motivo de força maior
manifestado toda noite pelo padrasto depois que a mãe dormia
Algumas famílias nunca tiveram casa, pois como disse a assistente social
"ninguém mandou não estudar e fazer um monte de filhos"
Algumas assistentes sociais não aprenderam na faculdade que nem tudo
depende da querência das pessoas,
nem imaginam a bola de neve que é a pobreza rolando dos morros
Pro estado, o povo é bem tratado, pro menino de rua,
a lua é a única testemunha do açoite
e a cracolândia é o paraíso artificial mais próximo
que se pode chegar da disneylândia.
Para os velhos o esquecimento, pros sem teto o cimento gelado das calçadas,
pras meninas sem sonho, as fadas da madrugada e as fodas do desespero
para os travestis, a dupla persona e o estado de coma em vida,
pros revolucionários de butique a dor dos outros corre com o relógio de ponto
pros mesmos a enganação
pra mim a poesia... e uma dor vadia que eu nunca conto.