domingo, 25 de novembro de 2012

Lavanderia

Lá, onde se estendia pra secar, as roupas do patrão e a vida de Maria... Lá Vander ria, na lavanderia, onde o que o varal não dava conta a secadora fazia. Era ali, para Vander, o melhor lugar da moradia.
Pois ali ele podia dizer o que sentia, desabafava como num divã sua agonia, mas ela, Maria, não tinha diploma de psicologia. Ainda assim tinha na ponta da língua os melhores conselhos pro dia-a-dia, de Vander é claro, pois sua vida era sempre a mesma sina, da pia pro fogão, do fogão pra lavanderia.
Apesar da Pouca receita, Maria praticava o que dizia. Sua receita de vida era mais eficiente que a de muito graduado em filosofia.
Trabalhava, cuidava da casa e da família. E ainda tinha tempo prum arroxa no samba da Cotia. Vander só ouvia, pensava em sua vida e sorria. Imaginava como seria se pudesse levar o patrão pra curtir essa alegria, mas sabia que sua condição não possibilitaria, tinha apenas de esperar o amante, que entre as pernas trazia, sua carta de alforria.
Pensava, até quando agüentaria essa relação vazia? Vander tinha de tudo, mas não podia andar de mãos dadas com o homem que queria.
Vivia como Rapunzel à espera do príncipe, mas o mesmo não a salvaria. Só subia a torre pra tomar-lhe as carnes e depois descia.
Um amor em segredo, um romance que inexistia. Maria sentia pena e sempre lhe dizia:

-Dá um basta nessa história, lava a roupa suja minha fia!
Acaba de uma vez com o que te angustia...

Decreto

É obrigação da juventude romper padrões,
é obrigação da juventude ofertar flores aos canhões.

É obrigação dessa mesma juventude ser melhor que seus antepassados,
superar seus erros refazer o traçado.

É também obrigação desta juventude, ser rude com as leis
reinventar a liberdade!

E ainda mais, é obrigação de todo jovem rejeitar a verdade.
É obrigação da juventude amar e ser descrente, odiar e ter esperança.

Mas à cima de todos os decretos, a maior obrigação da juventude
é negar todas as obrigações, carregar vinganças e contradições...

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A vanguarda do futuro

"A mim não cabe ser padrão de nada,
prefiro a escapada pro além normal..."
(Nonoh e Caroço)



Outro dia vi num cartaz de um peça de teatro o seguinte subtítulo "Isto não é um espetáculo". Engraçado né, quiseram brincar com a aparente contradição existente na idéia de ser um espetáculo teatral, que não se enquadrava na idéia de espetáculo do Guy Debord. Tipo um não-espetáculo.
Ultimamente tenho percebido muito esse fenômeno, espetáculos que se dizem não espetaculares, empresas que se dizem anticapitalistas, produtos artísticos que se colocam à margem das mercadorias, coletivos de um único indivíduo e coletivos com várias pessoas corporíficadas em um único representante, também chamado de porta-voz.
Me parece que são características de uma parcela da militância dessa época, que vive em cima da "especulação do não-espetáculo". Que ao meu ver pode ser ainda pior que a lógica da arte alienante, historicamente atrelada a construção e disseminação do imaginário burguês nos últimos séculos.
Essa especulação da arte não espetacular é na maior parte das vezes uma máscara que esconde o intuito verdadeiro que move essa produção artística, e também serve de rótulo para embalar a obra e direciona-la a um público específico que se sente favorecido ao corroborar com tal ideário vanguardista de arte.
Essa arte que não se diz mercadoria é vendida por preços de mercado aos maiores financiadores de arte e cultura no país, SESCs, Centros Culturais de Bancos, ONGs e etc. Fora é claro o investimento público que recebem por seus projetos revolucionários nas periferias da cidade. Leis de fomento e outros pequenos editais que somados rendem recursos que rodam na casa dos milhões na mão de um único grupo.
Por que digo que essa lógica é pior que a dita arte alienante. Simplesmente por que maquiada pela pompa militante essa produção circula livremente pelos salões nobres e pelas quebradas disseminando seu discurso panfletário e atraindo seguidores/adoradores. Que, por muitas vezes, são gente já sem repertório para ver o óbvio e nesses casos ainda tem de tentar se esquivar do que vem embalado de benfeitoria.
Torna-se cruel pois se vale do discurso da identidade periférica quando é conveniente e da braçadas largas no mar das elites burocratas para fazer girar seu business. É especulação justamente por isso, pois não só não vive a realidade que pretende representar, como também se vale dela para lucrar.
O mais ridículo é que o próprio Debord já atentava a isso:
"Não se pode contrapor abstratamente o espetáculo a atividade social efetiva; este desdobramento esta ele próprio desdobrado. O espetáculo que inverte o real é produzido de forma de que a realidade vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, refazendo em si mesma a ordem espetacular pela adesão positiva" (pra quem acha que eu inventei a frase pode olhar o link: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/socespetaculo.pdf. Tá na página 16).
Sábio o rapaz imaginava que muito lobo ia se travestir de cordeiro pra papar algumas cabeças.
E é por isso que são perigosos, pois não nos permitem de cara descobrir seus propósitos e são eficientes nisso, são técnicos, são profissionais, e não que isso seja ruim, mas só os são às custas do recurso ganho em cima do imaginário criado, ou seja, da especulação do não espetáculo, que os enaltece e restringe o recurso à grupos "menos experientes" que os mesmos. Logo, suas obras são polidas, são bem acabadas, como tudo que se pretende vender com boa penetração no mercado. Porém sua produção continua tão alienante como qualquer outra novela, pois só inverte o jogo. Assim deixamos de ser alienados de direita pra sermos alienados de esquerda. O mais engraçado é que para os produtores dessa arte todos podem ser alienados, menos eles mesmos.
Por exemplo, se são classe média/alta a situação é a seguinte: Eles podem não trabalhar para não contribuir com a lógica perversa do patronato, mas seus pais puderam para dar-lhes educação e comida no prato.
Se são de classe baixa, podem dar-se o direito de desviar uma graninha de seu edital público, pois afinal estão roubando o estado que sempre os roubou (a população que paga impostos com o próprio sangue fica aonde mesmo?). O inverso desse discurso também acontece.
O povão de verdade, se pá nem sabe o que é um edital, e segue pegando ônibus lotado diariamente e batendo seu cartão religiosamente, porém com uma dignidade que esses "trabalhadores da cultura" não conhecem.
Os trabalhadores, que como eu, dividem a realidade crua, sabem que o patrão os explora, mas também sabem que se não estiverem lá trabalhando os seus filhos não terão o que comer, e as contas não se pagarão sozinhas. Talvez não tenham dimensão do tamanho do monstro que é a máquina do estado, mas também não colaboram com pilantragens menos aparentes se valendo do mito de Robin Hood.
Internamente esses "coletivos" normalmente não são nada coletivos, exercem suas hierarquias e suas vaidades à revelia. Por vezes são tiranos com seus próprios companheiros de trabalho, isso quando não os expulsão por não se adequarem a lógica prescrita, mas enfim... os meios justificam os fins, tudo em nome da arte, não?
Não! Eu com meu trabalho tenho muitos desejos, e poucas pretensões, não sou melhor nem pior que ninguém, mas prezo alguns valores irredutíveis que não se desmancham frente ao capital. Queria que minha arte fosse reconhecida em sua riqueza e sua precariedade, e que eu pudesse obter dela o suficiente para ter uma vida decente com minha família, mas sei bem que o difícil é ser ético nesse mundo, ter muita grana em cima de palavrório e pactos obscuros é fácil demais, e aprendi cedo a duvidar de tudo que chega muito fácil.
Finalizo lembrando que muitos bons artistas e militantes do passado hoje são parte de uma cúpula de ladrões que além de seus cachês milionários advindos da indústria cultural, recebem rios de dinheiro anualmente dos mesmos balcões públicos de negócio, ops, dos mesmos editais.
Parafraseando meu pai, penso que a mim não vale ser padrão de nada, vale mais seguir além, na batalha dura e sincera dos normais, errando e acertando junto dos meus iguais. Estes que desarmados não representam vanguarda nenhuma, nem pretendem se-la no futuro.
Tenho certeza que viver é fazer arte sem ARTEfícios, arte in natura, não ARTEficial. E mesmo que eu não obtenha notoriedade nem ganhe dinheiro com meu trabalho artístico, sei que não perdi nada de valor para validar meu sonho.
E não hei de me sentir deprimido por não ter feito a arte mais revolucionária do mundo, pois transformar a sociedade depende de movimentar forças muito maiores que as da arte!









sábado, 17 de novembro de 2012

Ilha deserta

Não foi exatamente perdidos que nos deparamos ali, é certo que foi por meio de um processo bastante complicado, mas não necessariamente perdidos, apesar de sermos só nós dois naquele lugar inóspito.
O fato é que vínhamos de uma viagem relativamente longa, cheia de altos e baixos, e povoada por momentos de intensa calmaria e extrema turbulência. E foi depois de uma dessas turbulências que fomos parar ali.
Cada qual com seus machucados, uns mais graves, outros mais leves, porém ambos feridos.
Não sabíamos, mas éramos ainda estranhos um ao outro, porém é nos momentos difíceis que surge a solidariedade, a cumplicidade. Ajudei-a à tratar de seus ferimentos, e ela também curou os meus, e na condição que nos encontrávamos nenhuma chaga era apenas física. Logo a cicatrização dependia sempre de muita paciência e um profundo cuidado.
Nos primeiros meses tudo ocorreu bem, tínhamos o básico para sobreviver e gozávamos de uma tranqüilidade que não era rotineira em nossas vidas, pois estar ali nos fazia abrir mão de uma série de fatores que até então nos pareciam essenciais, como os amigos, a família, as refeições requintadas, nem TV possuíamos...
Foi então que o com o passar do tempo fomos tratando de construir o que não tínhamos, à nosso modo é claro, já que a vida no limite não parecia nos dar outra escolha, e como ali o tempo passava devagar, acabamos por nos ocupar em criar uma vida razóavel pra gente. Nem tudo deu pra resolver, mas passamos a comer melhor e a convivência nos deu além de uma amizade, um amor. Ainda tímido, mas evidente, também parecia óbvio que mais dia menos dia isso iria acontecer, já que éramos só nós e nossos espíritos ali, se defrontando, se refletindo, assim sendo, ou nos mataríamos ou acabaríamos apaixonados, e nesse caso ainda bem que conseguimos fazer brotar o amor.
E foi desse amor que vieram os filhos, e foram os filhos que foram nos ensinando a fortalecer o amor e a reparar como o tempo passava rápido.
Eu, percebendo que já estava ali há muito tempo, decidi que tentaria sair, precisava respirar outros ares, precisava reencontrar vida para além daquele lugar, mas ela achava que mesmo com as dificuldades tudo estava estável e não queria mais correr riscos. Já eu tinha cada vez mais certeza que não podia me conformar em passar o resto dos meus dias ali, só ali. Tentei então propor à ela um pacto, firmando que mesmo saindo sempre voltaríamos, entendendo aquele lugar como sagrado e parte da nossa história. Ela não quis, porém a cada dia pareciam mais evidentes as dificuldades, a escassez de recursos, a insalubridade do espaço para as crianças, nossas constantes brigas...
Foi assim que num dia de sol sequei as lágrimas, juntei as forças, o resto do que tinha e saí, me recordo bem, tinha nome de ilha nosso prédio. Edifício Cabo Verde.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sobre ícones e heróis

Certo dia em uma conversa na mesa de um bar com um amigo cheguei a uma conclusão bastante profícua sobre a diferença entre os heróis e os ícones.
Assim de cara parecem bem semelhantes os termos e até sinônimos e/ou complementares, mas realizando uma análise mais aprofundada fiz uma distinção bastante sensata.
Para mim os ícones são como o próprio nome pressupõe, um ponto de referência, ou seja, uma marcação, um símbolo, porém, um símbolo esvaziado.
Os ícones por tais características são obrigatoriamente vassilantes, pois são mera representação do real, um ponto superficial, quase sempre atrelado ao marketing que a imagem carrega. Os ícones apesar de óbvios são incoerentes, e mesmo dentro de sua incoerência permanecem óbvios. Os ícones são, assim como os ícones/links de internet um ponto de convergência, onde os diversos mouses (maus Zés), se direcionam para a busca do porto seguro, um destino, quando na verdade estão apenas tocando iconografias, que são por natureza ilusórias, não são fins em si, mas caminho para verdades muito mais complexas, são como hiperlinks, o texto está para além da referência.
Já os heróis são viscerais, podem até ser barbaramente cruéis e cegos pelo tanto que acreditam em seus ideais, porém tornam-se símbolos pela honradez, pelo desprendimento, pela gana, pela força, pela inteligência e por uma incomum humanidade sobrehumana.
Os heróis quase sempre erram, mas ousam serem expostos até as viceras, não são apenas projeção de uma imagem, carregam suas contradições e suas vontades como bandeiras, assim como os vilões. São verdadeiros dentro de sua existência abstrata, são coerentes mesmo quando incoerentes. São desconhecedores de limites! Não morrem na praia das ostentações, nem são facilmente comprados como os ícones.
Ambos são utéis, mas pra se ter uma idéia, poderia exemplifica-los usando referências como Jimy Hendrix e Claudia leite.
São diferenças gritantes não é? Mas não entenda apenas com os olhos do preconceito musical, não são referências tão distintas apenas por que são de estilos diferentes, mas sim pelas trajetórias de vida, outro exemplo bom e menos aparente seria comparar Luiza Mahin à Negra Li, uma é símbolo de resistência, lutou contra as amarras físicas e simbólicas do preconceito racial em tempos de exclusão muito mais duros que os de hoje, a outro por sua vez, ao conseguir projeção faz uma plástica no nariz por não gostar da própria imagem na TV (ooh Antônias brilha?).
Enfim, fiz todo esse prólogo para chegar a uma questão que há muito me inquieta, a precariedade das nossas referências na atualidade, sei que sou um tanto saudosista, mas creio que não é sem razão. O que mais que pega é a análise dos contextos históricos, pois hoje temos bases muito mais sólidas para efetivar mudanças profundamente mais poderosas e nos valemos de nossa força para criar uma resistência medíocre às injustiças sociais e amarguras pessoais.
Creio que o ser humano sempre precisou de heróis, mas de ícones não. Pois os heróis são produto da intensa necessidade humana de transfomar a realidade e de faze-la cuidando dos que estão a sua volta, já os ícones querem poder, pois não possuem poderes naturais, querem glórias individuais por conquistas coletivas. Querem ser referência meramente pela visibilidade que isso dá, fama!
Quando se fala da questão dos heróis por ai, sempre tem um vomitador de frases feitas que fala aquela velha frase de Bertold Bretch "Miserável país aquele que precisa de heróis". O engraçado é que o Zé mané que fala essa frase nem sabe de onde ela foi tirada, pois não sabe que ela um pouco mais completa diz assim "Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis".
Pois é mais ou menos assim que penso, um país que não é capaz de criar heróis é uma falácia, pois torna-se dependente de um ou outro dito "herói".
A grande sabedoria que tiro do arquétipo dos heróis, esses mitológicos e vicerais, é a sua capacidade de ser um herói, pois é exatamente no sentimento de também poder ser um herói que me movo, contrário dos ícones que são geradores de imobilidade, já que tornam-se pontos de transferência de responsabilidade, pois trazem consigo a idéia de que representam o todo, logo não precisamos nos preocupar, pois os mesmos estão à olhar por nós.
BALELA!!!! Só nossos próprios olhos podem olhar por nós, ninguém mais!
Os verdadeiros heróis normalmente só são reconhecidos quando morrem, por que durante a vida estão tão misturados ao coletivo que torna-se praticamente impossível identifica-los.
Vivemos atualmente uma extrema carência de pessoas assim, por isso vira e mexe caímos na ilusão da mídia que cria mitos instantâneos para o rápido consumo massivo, porém basta que olhemos mais atentamente para ver a artificialidade dos mesmos, ora travestidos pelo bom samaritanismo dos que não destroem a natureza e nem o capitalismo e nem nada, ora na caricatura do rebelde sem causa que destroe tudo sem nenhum por que. O pior é que esses modelos se reproduzem em todos lugares e a todo momento, como um vírus, nas periferias e nos bairros nobres, qualquer pateta torna-se uma celebridade por ter feito qualquer ação que simplesmente deveria ser entendida como operação padrão, ou faz uma bizarrice qualquer e ganha milhões de acessos no youtube e pronto, é o predestinado.
Aos que não querem ser heróis cabe a dificil missão de se-los diariamente. Nas beiradas do estrelato, seguir fazendo mudanças coletivas e impulsionando novos heróis a existirem sem medo, pois afinal ser herói é ser movido por amor, mesmo que não correspondido!