domingo, 15 de dezembro de 2013

Paris...porinha! A quebrada dos meus amores!

Eita lugarzinho, como bem suspira meu mano Andre Pereira, não é europa, mas atrai turistas e peregrinos desde muito tempo, de muito longe. Caminho dos romeiros que vinham de outras bandas com destino à Bom Jesus de Pirapora. Aqui provavelmente paravam pra tomar sua caninha, pra dar uma descançadinha, pra comer um jabá com farinha, por isso de Pirapora virou piraporinha, da promessa e da ladainha, das ladeiras e das ribeirinhas. Ahhh e modéstia a parte, destes caminhos eu sei falar. Eu que cai no finado córrego do largo, que hoje canalizado virou estacionamento, eu que vi o cimento cobrindo antigas ruas de terra, inclusive a minha, ruas que não mais servem de palco pras bolinhas de gude, nem pro furo do pião, mas que não deixaram de ser das crianças, essas sim, eternas militantes do direito ao espaço público. O cenário mudou, os esportes de rua também, o asfalto trouxe o rolimã, depois o skate e facilitou o caminho das bicicletas em dias de chuva. A bola continuou rolando, da mesma forma, com asfalto ou sem, os nossos pés talvez tenham sentido a diferença, mas nossas almas não. Me lembro que minha falecida madrinha, querendo me destacar dos demais garotos da rua me deu uma bola de basquete, coitada... não da minha madrinha, da bola, que nunca viu uma tabela e o único garrafão que bateu talvez seja um pet de 2lts cheio de areia, usado como trave. Minha unha do dedão já era encravada de nascença, mas de tanto ser arrancada nas topadas com a bendita bola de basquete, com as pedras do caminho e depois com o asfalto, virou uma coisa estranha que meus primos apelidaram de unha de pau.
É, meu corpo conhece cada lugar desse bairro, e em cada lugar compartilha uma história, essas de futebol são específicas dos meus pés, no perpétuo sobe desce da Celso Merli, rua que tem esse nome por conta de um homem que morou no bairro há muito tempo atrás e brigou até a morte contra os grileiros de terra, seus netos jogaram bola comigo na rua que homenageou o avó. Meu coração e um pedacinho do meu fígado são da Domingos Afonso Sertão, onde a diversidade nega a aridez sertaneja que carrega no nome. Uma rua que mereceria um documentário, de tantas histórias que saltam aos olhos, a Paulista da Piraporinha, via de acesso que liga a M'Boi Mirim à Guarapiranga, mas traz um ar bucólico que não permite que ela tenha status de avenida. Nela uma dinâmica muito comum em outras periferias se amplifica, uma bar, uma igreja evangélica, um cabeleireiro e uma lan House, se multiplicam de ponta a ponta, porém cada qual com suas especificidades. Digo que um pedacinho do meu fígado ficou ali por que conheci quase todos os seus bares, principalmente os que possuem Junkebox, mas o melhor e o mais renomado com certeza é o bar do Val, espaço familiar, atendimento de primeira e um banheiro que dá inveja ao da minha casa, o que faz com que ele seja frequentado por moças amantes de bohêmia, diferente dos outros bares da região onde o banheiro espanta a beleza da clientela (que o Correia dono do bar do palmeiras não leia esse texto). Os cabeleireiros são muitos também, tem o da tiazinha que só corta o que ela quiser, e não importa o gosto do cliente, tem o mais popular que é o da Maria, e tem o mais incomum que é o do That, que por um bom tempo foi cabeleireiro de dia e de noite era igreja evangélica. O esperto rapaz aproveitava o mesmo público, virava a cadeira de lavar cabelo e fazia o culto usando a mesma como púlpito. Ehh as igrejas evangélicas daqui são realmente inovadoras, tem até uma que tem capoeira, ou melhor, capogospel! Sexta feira à noite você ouve uma verdadeira sinfonia de junkeboxes misturados com louvores e batucadas mil, o mais engraçado é que de todas as cantorias a mais afinada vem da igreja que tem a capoeira, por que será? Eu me pergunto sempre... Essa vida pulsante é que bombeia meu coração, em cada batida uma história, um gole, um caminho.
A rua paralela à baixo é a Avenida Bento de Souza, minha cabeça conhece bem, a consciência e a inconsciência que forjaram meu espirito seguem seus estreitos caminhos de beira de córgo. Foi ali, na boca do lixo, que escrevi meus melhores poemas vividos, realizei os maiores debates intelectuais, e chorei minhas tantas derrotas. Mas a cima de tudo, foi ali que conheci meu maior amigo.
Um pouco à frente a avenida do nosso Louvre nordestino, Inácio Dias da Silva é a via da atual feira de domingo e a passarela pros caminhos da cultura. Sim, a casa popular de cultura, aquela que poderia ter sido uma base da polícia militar, mas não o foi, por conta, principalmente, da pressão dos moradores e da resistência de guerreiros com espirito de zumbi. Celeiro da mais rica movimentação artística da periferia paulistana. Regada a pastel e caldo de cana. E por falar em feira, cabe dizer que o comércio do lugar é um dos mais criativos que já vi, além dos cabeleireiros que viram igreja, temos padarias que não vendem pão, e igrejas católicas que tornaram-se lojas de sapato e se instalaram nas dependências de um antigo mercado (eu fui batizado lá, não na loja de sapato, na igreja). A própria feira é um caso especial de análise dos processos comerciais, tem barracas que aceitam fiado e outras que aceitam maquininha de débito, os produtos são dos mais variados e outro dias desses além das coisas tradicionais encontrei no fim da feira uma barraca inusitada, com comerciantes nada convencionais. Era uma barraca de livros organizada pela Cooperifa, e o mais engraçado, os livros não estavam à venda, todos os 10.000 exemplares foram doados ao passantes, pelos feirantes Max B.O, Thaíde, Márcio Batista, Rose Dórea, Sérgio Vaz, só personalidades periféricas. Gente boa que se vê toda semana em um outro comercio bem incomum, o bar do Zé Batidão na Rua Bartolomeu dos Santos, um centro cultural num bar. Minhas pernas caminharam sozinhas por muitas quartas feiras, lá pro topo do morro, depois da ladeira do mercado que virou igreja. Fui rezar poesia lá muitas vezes.
Porém, ainda que muito me afastasse, todos os caminhos sempre me levaram a estrada, essa picada aberta desde os tempos em que os indígenas passavam por lá matando as cobras pequenas do caminho. Hoje as minhocas de metal biarticuladas é que correm por ali, encharcando a passagem de fumaça. Nessa M'Boi Mirim, estraguei meu rim, peguei carona, fui à lona, do trabalho pra casa, e me refiz. Num novo trago, ali no Café Paris ou numa coca no Habbib's, na esquina do Figueira, um pouco antes da curva da morte.
Sabe, apesar de tudo, penso direto que tenho sorte de ser desse lugar, se num fosse o azar das misérias da desigualdade, a maldade de farda preta que na espreita tira vida de tantos trabalhadores sem mais nem menos, se num fosse a foice cega das biqueiras que decepam juventudes que poderiam ter sido mais, se num fossem as escolas mal'acabadas que pouco puderam dar aos que buscavam passar na USP. Seria ilustre! Mas apesar de tudo não cuspirei nesse chão, não ei de morrer em vão. De corpo fechado eu perambulo pelo lugar cumprimentando os parceiros e assobiando pras meninas. Nas mesmas esquinas, nas mesmas encruzilhadas, da Estevão Fernandes à Anhanduí Mirim, da rua 7 à Quetena, sigo minha novena nos caminhos de Pirapora, a minha cidade luz, Paris...porinha!

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Mortalha

O pior final é esse que encerra as palavras
o pior fim é o que fica suspenso no ar
quando não há o que dizer nem o que pensar

O pior silêncio é o que exprime o desamor
o pior jeito de calar é o abandono
quando não a mais verão, só folhas secas de outono

A pior tristeza é a que não tem força pra se expressar
a pior maneira de chorar é de cabeça baixa
quando só resta o desencontro e nada mais se encaixa

A pior forma de morrer é em vida
a pior maneira de matar o amor é de fome
quando já não há nada, nem saudade, nem sobrenome...

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Diário

Tive 17 anos e fugi de casa
feito Natasha, com a vida em brasa,
fiz 18 e vi Boys dont Cry no cinema
fiquei pra além da classificação etária do sistema
os 19 passaram rápido, já fervido
tentava desacelerar a inércia do caminho que já tinha percorrido
e vieram os 20, e mais mergulho e mais demente
Passaram 4 anos em 4 dias inconsequentes
dalí pra frente foram outros planos
diferentes daqueles dos 20 e poucos anos
fiz 25 anos de sonho de sangue e de América do sul
Já tinha filhos, já tinha livros,
e a árvore que plantei já riscava o céu azul
26 anos foi o tempo que levei pra reorganizar a vida
trabalho, faculdade, a arte e a família
nem esperava mais fiz 27 anos contrariando a estatística,
as sequelas não me faziam o mais saudável,
mas meu corpo não frequentou nenhum exame de balística
e vieram as crises dos 30, o saudosismo dos 40,
a redescoberta dos 50, o tratamento dos 60.
Aos 70 já era bisavó, meu neto já tinha fugido de casa aos 15
e meu filho era um empresário
Aos 80 veio a intolerância
e já não aturava qualquer conversa de otário
morri aos 90 e postumamente escrevo essas memórias num diário


fim





sábado, 28 de setembro de 2013

Amores Brutos

Te amo por suas marcas, físicas e psicológicas,
tua mão calejada, a sola grossa
Te amo assim, e por que não amaria?
Amo a cicatriz da sezária
e cada estria
que você ganhou para por os filhos no mundo
Amo tuas rugas e
seu olhar cansado e profundo
Te amo, por tua dureza
e por tua sensibilidade em demasia
amo os momentos de dor e os de extrema alegria
amo a nossa luta diária e o diário de agônias
Amo estar do seu lado, quando falta o feijão
e quando sobra pro outro dia
Amo o trabalho que te encarna
a mais forte mulher da terra
amo nossa calmaria e os intentos de guerra
Te amo sim, por tudo isso e sei lá por que...
posso até ver beleza em outras formas
mas é contigo que eu deliro
são seus caminhos esguios que eu domino
e percorro suas curvas e rochedos
como poucos já fizeram
Te amo por que assim como eu
tu nem sabes o que é o amor
se não a labuta afetuosa e o suor!

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Se a distância falasse

Ahh se a distância falasse...
Ahh meu amigo eu tenho certeza o que diria
ou melhor que canção lançaria ao vento

seria um rock nacional,
não sei qual, mas não seria um lamento
talvez alguma coisa com tchururutchurutchu no final...

Se a distância falasse sei que seria pouco,
tão pouco como a própria distância,
seria uma música que todos sabem cantar, mas não como nós!

seria tão simples que talvez nem fosse canção,
se pá um copo de cerveja, um aperto de mão,
quem sabe um puchão de orelha,
um choro baixinho com direito a riso no canto da boca

Talvez por tudo isso é que a distância seja muda
pois se não deixaria de ser distância pra ser comunicação
talvez por isso eu não a sinta,
ainda que minta a boca da saudade,
eu sei que você está sempre aqui

Ali quando me perguntam de você, ali quando falam de amizade
na esquina, na viela, no buteco, na risada...
no abraço cambaleante das noitadas e nas noites mal dormidas por doença

Eu também tô ai contigo, eu sei disso amigo!
aí onde o mar beija o asfalto,
ai onde o pé da criança dá os primeiros passos
onde o céu é mais profundo,
bem do lado, logo ali onde tudo pode virar música,
onde todas as mulheres merecem poesia,
mesmo que pra dizer adeus

Em suma, eu sei que a distância não pode com a gente
não que ela não tente, mas é que ela não pode com a nossa presença
Pois quando nosso presente olha pro passado, ele só vê futuro
e a distância vira ponte por onde passamos pra trilhar novas andanças




dedicado ao meu irmão, não o que hoje vive no Canadá,
mas sim o que faz Peruíbe parecer a China!


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

das pedras que Drumond não viu

No meio da pedra tinha um caminho... sem volta

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Antes que seja tarde

Uma sensação invade o dia,
agora é tarde, a voz dizia,

Mas em mim outra voz respondia:
Ainda é dia, deixa que a noite chega e traz a calmaria

Confuso, confesso, que só eclipse eu via
nem noite, nem dia

Tudo parecia estar em minhas mãos e escorria
tudo estava em minha frente e eu não percebia

Até que outra voz adentrou no diálogo pra romper a agonia
era o sol, que em seus braços a esperança trazia

Mergulhou-na num lago calmo em banho-maria
e me lembrou que realmente era dia...

dia de ter paz e navegar concentrado na correnteza que seguia,
a tarde chega, mas nunca é tarde pra contemplar o dia.




quarta-feira, 22 de maio de 2013

O fogo

Ao redor das barricadas, na rua, praça de guerra
ele se projeta ao céu, fogo sobre os cães e os cães sobre a gente

ladram por de traz dos capacetes e seguem aguerridos
em nos marcar com seu cassete

nós devolvemos a ira, e lhes repassamos o fogo
pela boca da garrafa a tocha arde a sanha do povo

E em poucos instantes o cenário é o inferno
o fogo amigo, e o fogo do inimigo se irmanam

come as tábuas do barraco a centelha desvairada da grana
e ali chorramos lava do vulcão adormecido

que o ônibus lotado fingiu não ter visto,
que a sobra de comida esqueceu de alertar...

E nessa hora os cães empreendem fuga
e nós não temos pra onde fugir

Foi a casa, veio a ruga, foi a guerra, veio a luta
foi ilusão e ficou a tempestade

quando só restava fumaça, fui procurar a identidade
e nunca me encontrei

terça-feira, 14 de maio de 2013

Sísmico

Me abalo, cismo quando reencontro você
Sísmico me propago em suas curvas
tremo, temo o advento das ondas

Mergulho e me espalho em meio sonoro
e nos poros incorporo um novo tema
e o poema emerge da tormenta 
para aliviar o sentimento que soca

A boca seca, e o medo se funde ao desvario
na nuca um arrepio te recorda
e acorda a terra inteira o terremoto

Desorganiza a estrutura tua presença em minha vida
e não permite fuga, de repente faz surpresa
e a presa afunda a carne crua
rendendo-se toda à sua beleza

Cínico cometo sempre a mesma proesa 
de te erguer em mim, em prosa 
pra encantar minha rudeza

Perenemente o vai e vem do mar
nos refazendo e destruindo
castelo de areia que arrebenta 
com a força sangrenta do abalo sísmico

segunda-feira, 25 de março de 2013

Só por um dia

Cansados desamores, mau falecidos já recebem flores
não te escondas de mim, já conheço teu jogo, teu fim
Sei que esqueces me lembrando, sei que me amas desprezando
Sei que sou assim, meio sem pé nem cabeça
mas saibas que só retiro umas coisas pra que o coração apareça
Por isso, vê se para de jogar, me deixa te livrar, te tornar livre no meu modo de amar!
Vambora fazer dos nossos corpos morada secreta de caricias veladas
vem sem farsa que eu te quero pelada
Desnuda de amarras, sem medo de alforria
livra-nos mesmo que só por um dia!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Nas entrelinhas da noite

Meianoitecendo versos em teus cabelos
meio florecendo sonhos em teus vãos
Meianoitecendo a lua pra estampar seus olhos
meia noite sem noção
Meio torta, mas sem tortura, só canção!

Meianoiteci ao seu lado
tecendo manhãs cantei de galo
Meio iluminado, meio no escuro
meio indo embora, meio ainda com você

Meianoitecido fiquei a vida toda depois de ti
o dia na cabeça, a noite no coração

Meianoitecido rasgado,
acabei te costurando na pele, na moralzinha
Pra que tu te reveles... nas entrelinhas

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Poemas e/ou mantras

A poesia é uma espécie de mantra
que repetimos na intenção de nos alinharmos
com as energias que profetizamos nas palavras
Nem sempre entendemos por completo o que foi escrito,
nem sempre somos o que escrevemos em primeira pessoa
É de fato um mantra quanto mais repetimos
mais próximos do que expressamos estaremos