sábado, 29 de março de 2014

Claudia


Eu fui arrastado,
e nesse arrasto mais de 514 anos vieram comigo
Camburão, jazigo, descaso, destino...
Arrastaram ela ainda viva,
ainda ela, ainda negra, ainda pobre
Toda uma sociedade arrastada por séculos de iniquidade
Arrastaram Claudia e me arrastaram também
e foram os mesmos homens que arrastaram
meus tataravós para as senzalas
Claudia, leite nenhum levou para casa àquele dia
deixou 4 meninos de barriga vazia

perdidos

como a bala que acertou a mãe.




Em honra a Claudia Silva Ferreira

quarta-feira, 19 de março de 2014

Cancelas, veredas e paixões

À mim cabe o tempo assistir
hoje depois da revoada de paixões
minha razão sabe sentir

hoje me cabe plantar sementes de amor
e espreitar o flor(e)cimento
Tranquilamente intranquilo
como Zambeze, o rio, infestado de crocodilos

Hoje me cabe cheirar o vento e ver o valor
de quem se encoraja a saltar minhas cancelas
viajar em minhas veredas
ver minha profundidade e meu vazio
bem de perto

Hoje quero viver o arrebatamento
o desvario do sentimento que se espraia em mim
eu não desisti de amar,

hoje quero, mais do que nunca
o prazer de cada vão momento
destilar poesia, ainda que em tempos de guerra

à mim cabe esperar que alguém me invada
se amalgame e ame, tatue-se nas brenhas do meu coração
quero sombra pra descansar sem assombro

à mim cabe a dor dos corações partidos,
dos quereres que findaram sem começar
meu carmas e minhas quimeras
vêem de outros tempos, outras eras

Porém, esse mesmo tempo também me rendeu a sanha
de sempre reassanhar a cabeleira e seguir
fermentando o que me cabe, o que me coube com o passar dos anos
meu vinho não ei de beber sozinho

Nova vida, novos planos, velhos sonhos
eu não desisti de mudar o mundo
eu ainda acredito na arte
E hoje sei que isso não é nenhuma ingenuidade

Amanhã me cabe o futuro
essa encosta de morro
onde ninguém nunca permanece muito tempo
sem virar passado

almejo o que almejam as flores
espalhar beleza em qualquer terreno
sob o lixo, sob o feno, ao natural ou com veneno

Almejo vida que me despetale, que me traga feridas,
mas que nunca me tire o poder e o pudor,
de ainda sem voar,
roubar o beijo do beija-flor

(Daniel Fagundes - Recife - 19/03/2014)

segunda-feira, 17 de março de 2014

Diz´tante

Queria ver-te, verter-te
Te ventar, reinventar-te
Queria contigo estar, te dar um start
te tombar, lambuzar-te
te ter toda em arte
comigo longe
em qualquer parte
queria poupar-te de minha falha presença
e só admirar-te
sequestrar-te sem recompensa
Sabes de onde sou? Eu sou de marte
e daqui de cima vejo a tua rua
Por isso não deixe de esperar-me
Pois logo menos te levo à lua

sábado, 8 de março de 2014

Outros carnavais


Somos feitos do mesmo asfalto,
mas também de lama de mangues e florestas
somos o efeito das festas dos candombes, de reizados e afoxés
Tu traz na pele um cheiro doce... seriguela com café
e um jeitinho de menina bagunceira que mijou no próprio pé
eu trago o fogo nos abraços, lábio quente
e faro esperto à te cheirar
Somos feitos de partidas e encontros
de salivas, suor e muito mais
do agora que me inunda de você
que venham outros carnavais

quinta-feira, 6 de março de 2014

Capibaribe

Capibaribe meu amor,
a barbárie que te exibe não diminue tua beleza
Vê se não te zanga
quando eu te confundir com a represa do Guarapiranga
Não te zangue se eu disser que és um mangue
Sua beleza é bem maior que a minha ignorãncia
Sou de longe, mas sou teu filho de sangue, e sei...
que essas latas e botinas, copos e urinas que te jogam
são pequenesas incapazes de esconder sua exuberância
João Cabral em sua margem guarda tua poesia
que flui entre o mal cheiro e o perfume
guiando os que vagam sem lume, como eu
Capiba, permita que me acostume a perder o olhar
no teu horizonte,
me atravesso em você sobre ti sou uma ponte
que liga São Paulo ao Recife antigo
Capibaribe meu amigo
deixe que o Beberibe te encontre, hoje bem mais tarde
embreagado de tanto beber comigo ao sol que arde


Jenifer

Jenifer chorou uma estrela
a lágrima cósmica rolou teimosa
e parou na maçã esquerda da face
com medo de perde-la
Jenifer chorou uma estrela
algo normal pra quem conhece ela
mas eu fiquei maluco
corri entre os foliões
nadei entre os tubarões de boa viagem
e não consegui esquecer aquela imagem
Jenifer chorou uma estrela
e eu chorei por vê-la