domingo, 18 de dezembro de 2016

Miradas sertanejas

Em Ipubi eu vi
Meninas com a púbis de fora
Pedindo carona e esmola
Pra dopados insanos
Que matam e morrem em seu caminhão.
Vi o chão seco na aurora
Senhoras plantando no lixão
Vi a fome que devora
A dignidade de quem ora
Mas não recebe salvação
Vi a chuva e a seiva
A colmeia baixa da enxu
A florada do flamboiã
O nascimento do caju
Os olhos do sertanejo
Aguando a colheita do umbu
Vi hotéis de luxo
E o bucho do bode no prato do gringo
Vi o novenário de domingo
E a gente sem um pingo
De água pra tomá
Vi a miséria e a fartura
Irmanadas na cultura
de uma só gente
De um mesmo lugar
Vi o sertão high tec
E o moleque se dividindo entre a roça e o beck
Entre a vaquejada e o celular
a escola e o longo caminho de partir e voltar
Vi cisternas e outros sistemas
Pra colher umidades impossíveis
Cursos de rios desviados
Jorrando sonhos invisíveis
Vi o que não tinha pra ver
E os políticos felizes de doer
com o sucesso do esquema
Vi sanfoneiras de 5 anos
A memória viva de Gonzagão
A força bruta de lamparinas
Que nunca conseguiram ser lampião
A ausência de outros planos
Eu vi o povo junto
E vi também a solidão
Eu vi... vi
E hoje sei que Belchior tinha razão
Nordeste nunca houve
Nordeste é uma ficção
Principalmente pro imaginário
Insólito do sulista
Que de vista só conhece a ilusão
Eu vi e sei
que é muito mais do que minhas retinas puderam captar.
Sertão é um polígono de vários lados,
onde nem seca, nem inundação podem se ver em separado

Profundeza

Do corpo, que é estrada, muitos podem falar
pois passaram...
Mas da alma nada sabem
pois partiram
Da fundura dos olhos nenhum mergulho
pois secaram
e se ecoam só saudade
É por que jazem
Nem poeira, nem alento só bobagem
E hoje quando vejo a ingratidão
te encontro
Num cantinho aqui guardado
ao relento
Onde admiro tua miragem
e me sento
pra contemplar essa paisagem
cá a dentro

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Etimologia


Saru, sáré, sarau...
Se o termo original desembarcou aqui
Com um navio de Portugal
Foi nessa terra
que a palavra encontrou o sal
Com o Tupi foi amansada
Como a mandioca brava, foi domesticada
Com os negros aprendeu a correr
De boca em boca foi mastigada
Fez-se alimento, alento pra correria
Hoje seu berço é a periferia
E não há quem não reconheça a ousadia
Palavra da corte vadiando com alegria
Em botecos, becos e academias
Sirê, saiçu, sarau...
É o erudito madrigal, mas também é amor de índio recriando o matagal
É divertimento Yorubá vindo do Senegal, é a mistura da língua, o quilombo atemporal
Onde a palavra bebe o vento
E regorgita o vendaval!









Saru: Manso em Tupi
Sáré: Verbo correr em Yorubá
Sirê: Diversão em Yorubá
Saiçu: Verbo amar em Tupi