sábado, 15 de fevereiro de 2020

Pintura

Com a tinta de mainha
painho pintou a minha pele
numa cor muito bonita
um tanto mais escura que a dele
Com as mãos de painho
mainha fez brotar música nos nossos caminho
e desde então nossas almas nunca mais se entristeceram
E foi a garra de vóinha que inspirou
tanto mainha como painho a
serem criativos nos dias de escassez
e desde então ninguém mais fez
promessa contra a fome
com as luz dos zói das minhas cria
eu iluminei a estrada
e trilhei um rumo de alegria
onde eu nunca estivesse sozinho
com o amor da companheira
fortaleci a envergadura
e desarmei a armadura
pra aninhar os passarinho
E com as asas do coração
eu voei baixinho
entre os espinho de roseira
e o algodão dos teus carinho
hoje eu sei que
o mundo é bem pequeno
quando nois tudo tamo perto,
assim bem juntinho....
Não há distância pro abraço
nem palavra sem padrinho!

Mundo

Rái carregava o mundo em seu nome
e carregava em sua matula muitas tantas histórias para além da fome.
Certo dia caiu feito um rái na vida de Damiana
e o mundo despencou num chovaréu sem fim.
A secura dos dias de Rái só careciam do amor de uma dama.
Damiana dos Jasmins.

Raimundo tinha mesmo um olhar profundo, de quem carrega a sua terra na pupila.
E não há quem não perceba tudo que ele diz mesmo antes de abrir a boca.

Ruminava as horas entre os dentes e não marcava toca,
Rái não era de dar trela pra pensamento imundo de gente mundana.

Em cada rama da arruda de sua mãe um movimento novo se fazia.
Raimundo dando voltas, arrudeando todo mundo!

Asase yaa

Seu corpo é uma ocupação [Asase yaa]
pachamama em lona e madeirite
acredite, seu corpo é favela
cada pelo, cada marca, cada vala...
o seu corpo é o céu e é o chão.
Toda chaga onde a maldade resvala
Você é a bala perdida e encontrada
alojada nas brenhas do pulmão
córrego a seu aberto
é seu ventre machucado
ponto de ônibus lotado teu coração
onde se amontoam homens, filhos e cães clamando atencão
em seu ori as confusões de todo dia
entrelaçam-se as vontades ocas da periferia
Seu corpo, todos sabem é quebrada profunda
biqueira, bocada, peito e bunda
aleita e alucina
sóca e ensina
suas vielas muitos tem medo de adentrar
somente os de sola grossa sabem como pisar
amo cada barraco dos teus olhos
e me equilibro em cada fio dos teus cabelos
Com o tempo aprende-se a respeitar
até mesmo os seus dejetos
nos becos dos seus braços
toda esquina se dobra
em cada dobra eu me curvo
e turvo a mira na direção do seu colo
na palma de cada rua o destino nas mãos
beijo e berro na lama de sua inundação
lágrima seca na sarjeta dos teus lábios
indica o caminho dos sábios na ponta da sua língua
onde ginga a gíria sob os escombros da colonização
elos são pontes sobre os teus joelhos rezando pro deus dos devastados
resistindo em sua alma sobram apenas
os sem terra
no meio da guerra seu corpo é cortiço seguro
E eu um favelado admirando
o sangue e o suor escorrendo
na pele áspera do teu muro

Mors






Kura

Kalunga não começa nem finda,
afunda
fenda no tempo
acaba,
inunda
principia outra vez
Alias o infinito deitou de novo
deu 8 voltas
em volta
do mundo, esqueceu do seu povo
engoliu o kimbundo
a cada morte, a cada segundo
seguiu.
E eu fiquei medindo a saudade
profunda
e se é terça ou domingo
não sei
todo dia parece segunda
Queria mesmo é poder
só te amar
e me curar da caxumba

Vás

Vaz, caminha...
pero no quieres que lo sigan!
O Quixote das ruas segue rumos incertos
e quase sempre se encanta com flores maltrapilhas
que só nascem nos desertos
Vaz, não realiza viagens colonizantes,
pelo contrário, segue junto dos errantes
bradando contra os opressores
O poeta ancorou-se na quebrada
de onde escreve cartas aos reinados de além mar, praguejando os invasores
Vaz, podia ir, mas não foi, preferiu ficar
pra lutar ao lado de gente ferida
carente de poesia e de sentido pra sonhar
E quando alguém perde a paz ele é quem sempre diz: Vás!
Caminhas com suas próprias pernas! Enxerga a luz aquém das trevas!
Sergio não descobriu a periferia
mas revelou o que sentia
o coração dos ancestrais.
Por isso hoje, quando ele sobe sua pipa pra enfrentar os vendavais
eu vou, tu vais,
nós todos acabamos indo atrás!

E agora Jão?

Ei Jão já se imaginou sem futuro,
olhando cego o horizonte sem tradução?
Já pensou Jão?
Atinou o desproveito de tudo que ergueu?
Já tirou onda no breu?

Já se viu apartado de quem ama?
bebendo o pranto alheio do outro lado da vida?
Lambendo ferida, tipo cão de rua? Já?
Sem leme, bagunçado, sem diagnóstico?
Já esmirilhou magrugada sem explicação?
Qual será a derradeira palavra?
Já quis sim, pedindo não?
E agora Jão?
Agora tem medo?
Já pediu perdão? Já perdoou?
Nunca se tinha imaginado indo?
Pensou-se eterno foi?
E agora?
Num orgulhava-se de ser último?
no bar, na festa, no trampo...
E esse Sarampo? Quem te deu?
E agora Jão?
Mudança ou caixão?