sábado, 21 de novembro de 2009

Erudição Popular

"A ciência é a poesia que não deu certo"

Vejo no olhar do povo sua verdade, seu sacrifício, sua clausura
Vejo sua ignorância e sua beleza, nada diferente da minha,
ouso em sua fala sua expressão agregadora,
sua comunicação sem rédeas, sua falta de disciplina.
Sinto no suor desses meus irmãos
a luta e a construção, a transformação do imaginário.
Medito as tradições desta gente,
o conhecimento ancestral e nunca estático,
o canibalismo mutante e criador do aprendizado.
Sua ciência de terra nunca melhor que a dos livros,
mas também nunca pior!
Diferente e possível, vital e tangível, a letra,
a fala, a imagem da dor,
do amor, da vida simples e caótica por natureza,
daí sua beleza, sua trilha rumo a liberdade,
seu potencial evolutivo ...
Por isso quero que minhas palavras tornem-se ditos populares,
pra que nunca ultrapassarem a proporção de palavras,
pra nunca aprisionarem a autonomia de ninguém,
pra que nunca possam castrar o pensamento,
só assim não sendo mantras é que terão sentido
e serão sábias por consequência e sequer minhas...
Serão poeiras de sonho na mente de todos que ainda puderem sonhar.

Na casa onde moram os medos

-Posso te contar um segredo?
O olhar era de medo e de coragem ao mesmo tempo. Difícil de conceber, mas era exatamente assim. Não olhava diretamente nos olhos, mas trazia na voz um desejo de confissão sangrada, das confissões que se precisa ter coragem pra dizer, por mais bobas que possam parecer ao outro. Então eu disse:
-Conta.
Também estava com medo, porém percebia ser um medo diferente, daqueles medos de ter que ser sincero. Ridículo né? Mas existe, medo de ser sincero…continuou:
-Não sei se devo.
Exitava pra testar se realmente valia dizer, o que é bom, afinal não se conta um segredo pra quem não o dará o devido valor, pra quem não o guardará com o respeito necessário.
-Conta eu quero escutar. Enfatizei.
-Lá vou eu de novo me adiar no processo que estamos construindo. Disse ela me encarando.
Senti nos olhos dela a história dos seus anos, suas dores, seus anseios…Os olhos são as portas do inferno interior de cada um e só se pode ir ao paraíso atravez dessas passagens. Eu queria dividir a visão do meu inferno com ela, mas assim como ela, eu também tinha medo.
-Acho que eu…
Conteve-se e me deu um beijo bem de leve.
Como quem mede a temperatura do lábio para medir a temperatura da recepção do que diria. Afinal não há medo no dizer, mas sim medo no como receberão o que dizemos.
-Pode falar!
Disse firme, mas inseguro. A insegurança é a condenação de quem será posto à prova.
-Acho que eu estou…
Parou de me olhar nos olhos, por um segundo pensou em não mais me dizer. Pensou: “E se ele for como todos os outros?”. Ela não tinha medo da minha estranheza, mas da minha semelhança.
-Acho…
Segurei de leve o seu rosto e a obriguei a me olhar nos olhos novamente.
-Acho que eu estou completamente apaixonada por você!
Disse como quem tirava uma cruz das costas e na sequência já ia se justificar, mas interrompi.
-Eu te amo.
Disse me desarmando, como quem relativizava e sentia incompletude no que ela havia dito.
-Qual a diferença de estar completamente apaixonado e de amar?
Ela sorriu com o canto da boca e olhou tão profundamente nos meus olhos que eu me senti invadido, provei do meu próprio veneno e tive medo. Eu que sempre estava à olhar todos de frente e com segurança, titubiei e me entreguei como quem desvirginava um novo mundo. Ela com tom surpreso e feliz respondeu:
-O tempo?
Falou como quem blefava com cartas boas pra jogar. Eu retruquei:
-Mas como prever o tempo limite entre a paixão e o amor. São nomes, são só nomes!
Eu dizia algo que ela já sabia e pra nós dois só precisava ficar mais explicito. Insisti:
-O tempo é relativo, podemos construir amores e paixões breves ou grandes sentimentos, não é? Você mesmo já me disse isso lembra?
Ela disse estar mais leve e eu fiquei a observar seu corpo deitado sobre o meu.
Nos apresentamos aos nossos infernos e o paraíso já podia vir. Foi quando ela encerrou:
-Será que era mesmo um segredo?

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Segunda - Feira, 18 de Março

Não é o dia de hoje,
não é questão de tempo
escrevo com a dor do ontem
o passado advento.

Sem muito o que dizer
regeito o que escuto,
assim, docemente bruto.
Uma anomalia,
a cria de Roberto Piva e Saramago.

Sou aquele que mata quem mais ama
só pra ver morrer um pouco de si
no meio do estrago, um mago!

Meio menino,
meio homem,
meio pedra,
meio mar...

Hoje resolvi te abandonar e morri
o calendário esqueceu de contar.