quarta-feira, 29 de abril de 2009

Pecado Capital

Decadência dos valores, amores brutos, os putos de esquina e sua sina libidinosa, os amantes do haxixe, os assassinos sem escrúpulo, os psicopatas e sua lábia venenosa, sim...os invejo, todos os boêmios, poetas de rua, os infratores da lei, aqueles que tomam a vida de assalto, admiro as peruas de salto alto caminhando na paulista, digo que não, mas também quero a modelo da revista...Ahhh inveja sem cura, dos filhos de Baco, adoradores do vinho, os cristãos rebeldes sem coroas de espinho, queria ser por um dia uma beata em sua santa castidade e na manhã seguinte ser uma vadia dando o cú de graça num cantinho, queria ser cão, ser gato, ser homem, ser flor, ser a eternidade, ser deus e ser diabo, ser pão, ser partilha, ser pastilha de hortelã, ser Bodelaire...derramando sua visceralidade lentamente sobre a folha branca da moral, somos tão puros dentro dessa nossa liberdade sem rédeas não? Somos isso, essa coisa feia e bela, essa agressão singela, e tem mais, aos militantes de plantão uma revelação: -Somos todos culpados, Che está morto amigo, faça sua revolução!!! A sociedade não seria outra se não assim, já é, já está feito, por mais dolorido que seja, a história não perdoará ninguém, não que todas as lutas até aqui tenham sido em vão, mas o que vale agora é saber o que faremos a partir de então... Apesar da cultura que tenho, do empenho em meio a literatura vasta, percebi que até minha negritude já não me basta, minha descendência indígena já não é escudo, meu RG foi queimado num ritual pseudo-pagão e eu estava mudo. E assim desprotegido de mim, escavei os segredos encobertos em minha identidade e escancarei minha culpa católica Européia, também tenho o sangue dos estupradores...Demorei, mas descobri o quanto pesa a cabeça tanta razão, o quanto aniquilei meus sentimentos na utopia cega da transformação, mas...transformar o que, transformar a quem e por que? A partir de agora estão expulsos de meu pensamento os que pensam em salvação, Ninguém precisa disso, na verdade sou eu quem vive em agonia, reparei sob os escombros da indignação que meu coração ainda batia, hoje, apesar da entrega aparente, faço auto-terapia pra perder o medo de amar. Por isso calem-se senhores da inverdade, engulam suas teorias, os do povo, os da academia, todos! Prefiro uma valsa solitária a beira do abismo, o mergulho em mim, pois não quero doutrinar ninguém, sigo meu caminho aquém das varizes sociais, bebo da água de esgoto que eu mesmo sujei, como do lixo que nós todos produzimos, e eu sei, é dolorido dizer isso, mas repito SOMOS TODOS CULPADOS!!! Sim, somos sim e não precisa disfarçar... Lembra você ECOchato, jogando aquele papel de bala pelo vidro do busão, lembra você revolucionário de merda batendo em sua mulher em casa, lembra você feminista panfletária escondendo a inveja da moça semi nua no cartaz de cerveja e você vegetariano padrão, cidadão modelo, fingindo não sofrer ao ver a picanha fritando na brasa, na cabeça a dor de uma cachorro em frente a máquina de frangos e no pé um tênis de uma marca qualquer que com certeza alimenta o capitalismo tanto quanto eu, e ainda assim se acha superior, acha que esta fazendo a reforma do pensamento...Assim considerando essa culpa evidente, podemos ao fim descobrir que não temos culpa de nada... Será?
Por tudo isso concluo: além da sociedade de classes, além dos muros, da disparidade dos discursos, talvez a única coisa que nos torne iguais seja a mãe de todos os pecados capitais, nossa majestade: A ignorância.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Árvore

Um dia me julgou infantil,
disse que eu não tinha rompido com o cordão umbilical
que me prendia a minha mãe.
Esbravejou de boca cheia dizendo ser independente,
mas escondia atrás do berro a menina sem rumo, a princesa decadente.
Eu mirava em ti o jardim vermelho de sonho utópico
onde as sementes floresceriam plenas numa linda primavera de praga.
O tempo passou e as flores murcharam.
Eu me descobri árvore, crescendo e pulverizando no ar
a minha contribuição pro futuro,
enquanto você sequer vislumbrava o que havia além do muro.
Pois é, não me desconectei da minha história,
você tinha razão, um forte cordão me liga a eterna pachamama
como toda árvore que se presa, com suas raízes bem fincadas no solo
com os braços levantados pro céu e a cabeça tocando as nuvens
o tronco ligando a razão ao imaginário,
muito diferente do campo binário onde você com você mesmo prefere viver.
Sim, sou árvore, maduro e consciente
sigo o caminho ancestral guiado pelos antepassados
com amor e não adornos, nossos velhos são sábios por natureza
e nossa beleza não é plástica.
Sua morte alimenta a existência do meu povo,
seus nutrientes enfermos são suavemente filtrados por nossas raízes.
Riqueza, jamás, só o básico pra continuar a partilha.
E assim quando a trilha me chamar pro além mais,
morrerei de pé, definhando até a última folha
e reciclando tudo que meu corpo puder doar
pra quem quiser, pra quem rasgar...
o sublime ventre da mãe terra.