segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O homem do saco



João, menino de sagacidade nata, sempre soube quem era o tal homem do saco.
Veio construindo o raciocínio de berço. Sabia que era aquele
que por vezes era de dar medo e por outras presenteava. Um tal sujeitinho de roupas grandes e vermelhas,
usando touca independente do calor que fizesse, além de botas pretas parecidas com coturnos de gambés. Barba grande e branca, no rosto estufado. Não era bem gordo, mas tinha muito volume por debaixo das vestes.
Levava por onde andasse seu saco pesado.
Sabia João que o indivíduo tinha um pseudonimo: Papai Noel. Que usava pra ser conhecido nos dias de fazer bem. Questionava-se sobre o conteúdo do saco e tinha uma teoria muito bem desenvolvida. Acreditava que o "bom velhinho", levava um chaminé no saco, para colocar nas casas das quebradas por onde passava, afinal, como entraria pela chaminé, numa casa sem tal alegoria arquitetônica? João adimirava as traquinagens do homem. Dava presentes para que não suspeitassem que era ele o assombroso fomentador de pesadelos. Aquele que puxava seu pé na madrugada mais fria do ano!
João não deixava falhas em sua argumentação, sempre que pergutavam ao mesmo onde o velho levava os tais presentes, já que o saco estava ocupado com a chaminé. Ele marrento dizia: -Debaixo da roupa ué? Ou você achava que ele é gordo como pensam? Como acha que escalaria as casas com tanta banha? Entendia João que o mesmo levava as lembrancinhas por debaixo do casaco, assim teria espaço para levar o estorvo da chaminé no saco para as casas sem o bendito acessório de entrada.
João cresceu, e de tanto receber meias enquanto os meninos da rua de cima recebiam lindos carrinhos de coleção, resolveu se inspirar no velho Noel, mas não cometeu os mesmos erros. Ao invés de levar chaminés as casas, entrava em residências já dotadas do artefato. Não adentrava lares para dar presentes, pegava pra si os excessos de gente que a vida já tinha cansado de presentear.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Pena de poeta

A pena leve dos poetas
Vai escrevendo liras,
estórias de verdades que pra tantos são mentiras

ali, na egregora dos errantes
na encruzilhada dos amantes,
um lugar de nome: “Boca do lixo”
Lugar que bem podia ser um ouvido
de tantas palavras que escutou.
Eram amores, alegrias, lamentos... quantas canções inspirou

Eram dois bohemios e sua forria,
Dois ebrios na noite a encantar estrelas
No caminho da lua, na faixa estreita da rua
Dois e suas palavras mágicas

Homens meninos com a mesma inclinação
de inventar mulheres em poesia,
mesmo que só por um dia, mesmo que pra vida toda

Personagens sinceros no tablado da vida
recitando textos próprios pra plateias desconhecidas
eles, tão fortes e tão frágeis!
Ainda seguem pelo mesmo trilho torto
à espera do trem

triste lira dos amores perdidos,
Linda história que a lembrança traz com as marés
Eles seguem sorrindo ainda que o chão ceda sobre os seus pés.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Pedro, Pedra d'agua

Pedro se riu todo
quando o tropeço d'agua
despencou em tempestade
lavando as almas dos homens das beiras.
humedecendo mulheres e ruas inteiras
Bateu asas quando viu em vento
as barracas das feiras mais leves que papel sendo sopradas
Pedro, muleque safado
no ar veio birrento levantando saias e devastando sacadas
e enquanto partia sacou seu bodoque
e deixou seu detalhe na vidraça do coração de Maria
Pedro se ria, pois como um cúpido
corrompeu a menina e foi também corrompido!
Eh Pedro muleque atrevido!
traz na face sempre um riso menino
Pedro, Pedra d'agua
tilintando na superficie do rio da vida
criança sabida...
nunca soube da existência da mágua
sentimento que dele de nacença lavaram...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Folia de Rei

Fiz rainhas as mulheres que tive,
de reinado em terra, de prendas, rendas e amores.
Sim, as fiz rainhas!!!
Costurei nas linhas do cotidiano
lindos sonhos entre as quimeras da realidade.
Acalentei seus sonos, alimentei, ensinei e aprendi.
Poucas chegaram perto de minha realeza.
Algumas por desconfiança, outras por não conseguirem
algumas por medo, outras por que não permiti...
Das tardes de sol, das manhãs nubladas, fui parceiro,
fui honesto, fui leal mesmo em traição.
Escrevi canções, recitei poemas ao pé do ouvido,
entreguei o meu melhor e por muitas vezes errei,
mas ainda em erro soube pedir perdão.
Lamento em vão, realmente fiz rainha as mulheres que tive!
Respeitei seus defeitos, e as fiz encarar minhas imperfeições.
Paixões, desejos, amizades, eu transformei tudo em flor
e reguei com carinho o imenso jardim
Eu nunca soube fazer sexo, me criei fadado a dar amor
e fiz de cada toque transcendência.
Pra algumas dei minha ausência,
pois foi preciso, pra outras meus excessos...
muitas nem perceberam o quanto as amei,
mas no meu mundo continuo rei
e navego pela vida sereno em minha canoa
sentindo pena das que se mataram com o peso da coroa!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

PazCiência

Da quase vida à quase morte
eu tive a sorte da existência,
com suas alegrias e suas penitências.

Ensaiei um milhão de começos possíveis para um conto de renascença, mas dentre os vários
fico com aquele em que o homem se auto avalia e se percebe no mundo como agente do caos.
De todos os caminhos que passei, de todos as mentiras, de todos os amores, de todas as bebidas...
o que resta é esse humano, que no seu desengano propaga o que é, e o que é é esse personagem assumido
que intrerpreta a agônia da vida nos hábitos mais simples. Um jeito específico de amarrar o cadarço,
um tique nervoso, unhas roídas, uma dorzinha chata no dedo médio da mão esquerda quando faz frio.
O cara que se apresenta nessa estória é o mesmo que achava ver de fora as mazelas do existir, mas dali,
das janelas da crítica onde se apoiava pra fazer julgamentos alheios viu o vento feio devastar seu lar.
Mas o que aqui se faz aqui se chaga e cicatriz não é desenho de giz é praga, E taí estampada em todos nós,
cada dor exatamente proporcional ao tamanho da escolha, e de cada escolha a herança do remendo,
um novo ensinamento velho, aprendido com raiva, com sangue.
As vezes em que ensinamos o que nem aprendemos...
Resta de tudo que não pude mudar, de tudo que não quis consertar por preguiça, a reinvenção de mim e a
dignidade de ser esse alguém que não sabe bem o que é, mas respeita o que não quer,
que conhece o que não gosta. Resta a dignidade de assumir os erros, de cuidar dos "peros", de aceitar-se...
Barriga pra fora da calça, postura torta, arrogância morta, contudo vivente, vivo no amor ao próximo,
ao realmente próximo! Pais, parentes, amores, amigos... Eu quero estar com eles em abrigo, sem se esconder,
mas também sem correr perigo. De todos os sons quero escutar o que meu ouvido suporta, quero ler
o que meus olhos dão conta, já fiz minha parte...agora ao invés de produzir arte, quero que a arte me produza,
quero viver poeticamente, não mais mentir minha poética, retórica, sem ética...
Não tenho mais forças pra lutar por exercítos, das bandeira que carreguei resta o peso. E de tudo que pensei
para o fim, o desprezo. Que seja assim, sem fazer mau à ninguém, mas lutando por mim.
Uma guerra travada com o tempo, onde o que alimento é uma paz de guerra, uma pazciência.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Violação

Tenho a impressão de que violei as múmias do Egito,
meu grito está mudo, mas ainda arde a garganta...
e no mais... não adianta, terei de pagar...

Os demônios que outrora pensei ter exorcizado
acordaram comigo.
E perambularão por algum tempo no meu encalço.

No sorriso do inimigo, na fumaça do baseado,
no frasco de perfume roubado, na alucinação eterna do momento.
Da ressaca o sabor indigesto, o espírito do tempo...

No meu brado o sofrimento:
Sai de mim gosto bolorento!
Vai amargar outra saliva, desgraçado sentimento!

A mão do cumprimento é a mesma que cimenta jardins,
A maldição das quimeras caiu sobre mim.
E caída, amei com ela a noite toda!

Estava suja, mas...

Que se foda! Sou desses amantes justiceiros.
Desses que limpam o mundo dos carniceiros.
Por isso cuidado se és desse tipo que vive
em sua razão fazendo só o que quer.

Sou maldito e acabo sempre deixando uma marca!
Não por vingança, não pelas flores que cultivei,
mas sim por esqueceres o nome da mulher que amei,
por sequer seres homem num condado onde só pisam reis!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A santa que matou Morfeu

A poesia da liberdade faz morada na boca.
O mel, saliva quente, reflexo.
Mormaço do dia-a-dia em tua pele de fogo,
manta de sonhos em carne nua.
A crueza da vida marca as palavras,
A terra se molda ao contato com seus passos
a lua te espreita negra,
adimira o caminhar...
Vem passar de novo em minha rua,
vem ouvir meu canto,
deixa eu partilhar desejos, te gerar espanto.
Me tira do abrigo, do lugar comum,
me joga no impreciso!
Vem confundir seu suor com o meu,
vem assassinar meu sono com teu sorriso,
com teus santos risos.